Como o chato do Drauzio Varella me ajudou a perder 20 quilos
Rodrigo Casarin
20/06/2017 09h08
Natal do ano passado X ontem (a cachorrinha no colo é a Belinha e o que está só com a cabeça no canto inferior esquerdo da segunda foto é o Fernando).
Todo domingo era a mesma coisa: Drauzio Varella no Fantástico dizendo o que deveríamos e não deveríamos fazer, o que podíamos e não podíamos comer, ensinando para toda família como levar uma vida saudável e asséptica. Se não era isso o que ele fazia, era assim que me soava quando eu tinha meus nove, dez anos.
A alimentação sempre foi meu calcanhar de Aquiles. Nunca gostei de frutas e verduras, tolero um legume ou outro e amo tudo o que engorda absurdamente. Junte isso a fatos e crenças como "ossos largos", "estrutura forte" e "tendência para engordar" e temos alguém que desde cedo luta contra a balança. Não demorou para que pegasse birra de ir ao médico para ouvir sempre "você precisa emagrecer". Sério!? Jurava que estava bem com os meus 1,60m e 74kg, 1,70m e 88kg, 1,80m e 100kg… Não bastasse, todo domingo à noite lá estava o chato do Drauzio com suas dicas infalíveis.
Para não ficar arrastado, abreviarei um pouco a história: uns 20 anos se passaram e eu engordei, emagreci, engordei de novo, emagreci, engordei mais uma vez, quase explodi, tomei vergonha na cara e emagreci, cheguei perto do peso ideal para quem tem quase 1,90m. Nunca parei de jogar futebol, joguei vôlei, tomei soco e distribuí canelada no muay thai, descobri que não tenho coordenação alguma para o tênis e zero de paciência para academia, caminhei e corri no ritmo de tartaruga. Também comi, comi muito: churrasco, queijo, muito queijo, especialmente gorgonzola, hambúrguer, pizza, pastel, coxinha, mortadela, pão na chapa, chocolate, chocolate com pão, chocolate no leite, sorvete de chocolate, churros com cobertura extra de paçoca… Muita cerveja, cachaça e refrigerante para acompanhar. E fiquei longe do Drauzio.
Gordo de novo
E lá estava eu gordo de novo, com uns 120kg, pouco menos do que pesava na quase explosão. Poderia dizer que estava incomodado com as roupas agarradas, com a aparência ou preocupado com a saúde. Mas a grande verdade é outra: notei que precisava emagrecer novamente quando tive um jogo de campo e errei alguns carrinhos fáceis. Não conseguir parar uma jogada óbvia era o grande sinal de alerta: era hora de levar meu peso de novo para a descendente.
Estava claro que o futebol semanal não era suficiente para queimar todas as calorias que eu ainda adoro consumir. Resolvi voltar a praticar uma atividade que dependia essencialmente de mim: correr. Acontece que eu mal conseguia rolar por 1km sem ficar extremamente cansado, aí que comecei a estudar um pouco de técnicas de corrida. Também vou resumir essa parte: um tênis decente ajuda de verdade, bem como meias adequadas. Esparadrapo é bom para não assar os mamilos. E treinos graduais e variados são mesmo excelentes.
Sei que o certo é procurarmos especialistas para nos orientar tanto no exercício quanto em uma nova dieta, mas fui fazendo pesquisas e tomando decisões por conta própria – diferente do que defenderia o Drauzio, aposto. Acontece que o mundo da corrida tem coisas legais, mas também tem um lado pavoroso: quase todo texto ou vídeo vem com um horrível discurso de incentivo barato e autoajuda: "vamos lá, você consegue", "superação, guerreiro", "fiz não sei o quê, então eu mereço", "foco, fé, determinação", "missão dada é missão cumprida"… Insuportável.
O Drauzio
Cansado dessa ladainha, lembrei que tinha em casa um livro do Drauzio sobre corrida. E o cara já não era mais o chato de outrora. Percebi que seu discurso traz muito do que a ciência recomenda, mas sempre deixa claro que a decisão de seguir ou não os conselhos é de responsabilidade de cada um – bem como arcar com as consequências. "Quer fazer tal coisa? Não é o ideal, saiba que pode ter acontecer isso, mas a escolha é sua". Talvez na infância eu não prestasse atenção nessa importante parte (que mudou completamente o meu parecer sobre ele, um cara que hoje admiro bastante).
O livro em questão é o "Correr", publicado pela Companhia das Letras, no qual Drauzio intercala um ensaio pessoal sobre a sua vida como corredor com algumas lições fisiológicas que têm a ver com a corrida. Apesar de este lado da obra trazer informações importantes, é o primeiro que se destaca. É ótima a maneira como o médico conta sua trajetória no esporte que transformou sua vida. O grande mérito do autor é justamente fugir do tom de "vamos lá, campeão" que domina os textos relativos à atividade. Drauzio expõe seu começo, mostra as muitas dificuldades e também o doloroso prazer de chegar ao final de diversas maratonas. Faz tudo isso de maneira sóbria, sem cair nos estímulos banais e enfadonhos caros a tal universo.
Por isso que "Correr" me cativou e se transformou em uma leitura essencial para que seguisse no meu ritmo (lento). Mesmo não sendo algo nobre, assumo que uma provocação também rondava a minha cabeça: "Rodrigo, seu gordo, o cara tem mais de 70 anos e corre maratona, você está aí com 29 e se mata para ir daqui até a esquina – e só pra comprar pão -, toma vergonha na cara". Ando tomando um pouco. Ainda não cheguei nos 42km – estou longe disso, aliás, na faixa dos 10km –, no entanto, pelo menos trouxe o peso de volta para a descendente, estou na fase do "emagreci", perdi uns 20kg, ainda que com gordura sobrando pelo corpo todo. Mas em algum momento eu ainda correrei uma maratona com o "chato" do Drauzio Varella.
Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.