Quer ser feliz? Leia Clarice Lispector – textos da autora são transformados em lições de autoajuda
Rodrigo Casarin
09/06/2017 09h48
"Até no capim vagabundo há desejo de sol".
"Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar".
"Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite".
Há muito tempo que frases de Clarice Lispector – ou a ela atribuídas – pululam pelas redes sociais dando à autora de "A Hora da Estrela" um tom de autoajuda que passa bem longe da densidade de seus textos. Agora, uma escritora e fã de Clarice decidiu aproximar ainda mais um dos maiores nomes da literatura brasileira ao gênero encarado como aberração pelos literatos. Simone Paulino assina o "Como Clarice Lispector Pode Mudar Sua Vida", publicado pela Buzz, uma clara referência às obras que se propõe a ensinar passos práticos para que o leitor supere adversidades da vida.
Pelas páginas do livro encontramos lições para "ser feliz", "ter compaixão", "aproveitar o instante", "chegar a Deus", "aceitar a morte", "superar o medo" e "deixar a vida ser o que ela é", por exemplo. Os ensinamentos, no entanto, muitas vezes não são diretos, mas acompanhados da complexidade da obra de Clarice, que é revista pela perspectiva de Simone. A autora acaba por remontar parte de sua trajetória enquanto leitora e mostra como a literatura impactou em sua vida.
"Muita gente acostumada com a perplexidade que Clarice costuma causar em boa parte dos leitores, estranha essa minha 'opção'. Mas eu realmente tentei buscar dentro da imensidão que é a obra dela reflexões e pensamentos que ajudam a nomear e iluminar o que sentimos. Lições de vida mesmo. O livro é, portanto, fruto de um desejo de aproximar as pessoas da literatura como um todo e de Clarice, em especial, usando como pretexto os componentes existenciais e práticos que a literatura dela pode suscitar", diz Simone sobre o tom escolhido para o trabalho.
Como já dito, o que escreve está baseado em sua própria vivência, nos momentos em que Lispector foi fundamental para que encarasse a realidade. "Clarice é sem dúvida a autora mais presente na minha vida. Tanto do ponto de vista existencial, quanto do ponto de vista literário e espiritual. Desde que comecei a ler Clarice, ela se tornou uma espécie de oráculo para mim. Ela participa do meu cotidiano. Há quem leia a Bíblia todos os dias, nem que seja um pequeno trecho, eu leio Clarice. E sinto profundamente que essa convivência diária, cotidiana, com as palavras dela me ajudou a viver, de modo que eu sinto que pode ajudar outras pessoas também".
E a abordagem de Simone para a obra de Clarice vem fazendo sucesso, tanto que a primeira impressão do livro está prestes a se esgotar e a segunda, que receberá uma nova cor para a capa, já está sendo preparada na gráfica.
Leia um trecho de "Como Clarice Lispector Pode Mudar Sua Vida":
Aprender a ser feliz com Clarice Lispector. À primeira vista, esta ideia pode soar absurda, sobretudo para quem conhece o lado trágico da vida dela e sabe o quanto sua obra é capaz de nos deixar perplexos diante do mundo. Acontece que o 'ser feliz' que é possível aprender quando lemos Clarice em nada se compara à felicidade fácil que nos prometem em comerciais de margarina.
Com Clarice aprendi a sentir e a reconhecer o que ela belamente chamou de 'felicidade clandestina', aquela experimentada por quem não apenas suporta a dor como parte da vida, mas também é capaz de encontrar no entorno dela alguma margem para a alegria. Uma felicidade quase sempre pequena, conseguida e fugidia, mas que não deve nunca ser desprezada, porque pode ser a única que nos será dada nesta vida.
'O que é que se consegue quando se fica feliz?' pergunta a menina Joana à sua professora, em 'Perto do Coração Selvagem', o primeiro livro de Clarice. Sem que a professora consiga articular uma resposta, a menina insiste: 'Ser feliz é para conseguir o quê?', reitera, tateando o limite entre a adivinha infantil e o enigma existencial.
Como Joana em menina, estamos sempre em busca de uma resposta para essa questão tantas vezes irrespondível. Quando não, nos debatemos em busca dessa tal felicidade e, no entanto, não é raro simplesmente não reconhecê-la quando com ela nos deparamos.
Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.