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O que escritores, editores e professores acharam do Nobel para um músico?

Rodrigo Casarin

13/10/2016 11h28

O Nobel de Literatura deste ano foi para Bob Dylan, essencialmente um músico com ótimas letras dentre suas composições. Já postei a minha opinião, mas e os escritores, editores e professores de literatura, o que acharam disso? No geral, gostaram. É o caso de Ricardo Lísias, autor de "O Céu dos Suicidas", por exemplo, que está de passagem pelos Estados Unidos, onde presenciou a comemoração dos conterrâneos do artista: "Estão tocando bem alto "Mr. Tambourine Man"! Os americanos parecem felizes".

No entanto, para alguns, a escolha beira o absurdo. "Paul McCartney será o próximo, e depois sei lá mais quem. Desde quando letra de música é literatura? Agora o Brasil tem grande chance de ganhar o Nobel: Chico Buarque na cabeça!", disse Ivana Arruda Leite, autora de "Hotel Novo Mundo". "Essa indicação é mais uma bola fora, tendo um Adonis e um [Ismail] Kadaré entre os premiáveis", considerou Alberto Mussa, autor de "O Senhor do Lado Esquerdo". Já Carlos Andreazza, editor da Record, é ainda mais direto: "Preferia que [Nobel] fosse o Almir Guineto".

Veja as opiniões:

Ricardo Lísias, autor de "O Céu dos Suicidas" e "Divórcio": "Estou em Manhattan, na rua, e estão tocando bem alto "Mr Tambourine Man"! Que legal! Os americanos parecem felizes. Acho um excelente prêmio. Dylan é muito potente, um cronista brilhante – o que não pode ser esquecido. E também algo decisivo, que eu vi nessas duas semanas que dei aulas em duas universidades aqui: os americanos têm uma contracultura muito forte. Movimentos sociais que sempre conversaram com a arte. Acho que Bob Dylan simboliza tudo isso".

Cristina Judar, autora de "Vermelho, Vivo" e "Roteiros Para Uma Vida Curta": "A notícia, que de início veio como um choque, logo se transformou na reflexão sobre a força da palavra poética, seja ela cantada, proclamada ou escrita. Dylan é músico, é escritor, é visionário, é beat. É pop e também rock. Sempre transitou por vários caminhos e promoveu revoluções. Esse Nobel nos faz pensar na literatura que não está restrita ao objeto livro; e que, não por isso, deixa de ser literatura. (Aliás, quem pode negar que a letra de "Like a Rolling Stone" não é capaz de impactar como alguns livros inteiros?)".

Leonardo Tonus, professor de Literatura Brasileira e diretor do Departamento de Estudos Lusófonos na Universidade da Sorbonne (França): "Não se trata de uma questão de mérito ou não. Bob Dylan é para mim um grande músico e um belo letrista. No entanto… Em tempos em que a literatura ocupa um espaço social tão reduzido, sinto que o prêmio não tenha sido atribuído a uma autora ou autor cuja obra reflita com maior contundência as questões da atualidade e as incertezas que atravessam o mundo contemporâneo".

Carlos Andreazza, editor da Record: "Preferia que fosse o Almir Guineto".

Ivana Arruda Leite, autor de "Hotel Novo Mundo" e "Falo de Mulher": "Que absurdo! Paul McCartney será o próximo, e depois sei lá mais quem. Desde quando letra de música é literatura? Agora o Brasil tem grande chance de ganhar o Nobel: Chico Buarque na cabeça!"

Simone Paulino, editora da Nós: "A minha primeira reação foi de espanto. Mas logo veio à minha cabeça o verso dele: "How many words…". Amo Dylan, desde sempre, é um grande poeta, suas canções são altamente narrativas, ele criou personagens inesquecíveis como Mr. Tambourine. E então me ocorreu que a polêmica que já surge, e se intensificará, é parecida com o que aconteceria se Chico Buarque ganhasse um prêmio Camões, por exemplo. Acho que o prêmio está reverenciando a palavra, o gênio e a poética de Dylan. Não é pouca coisa, em tempos de tanta superficialidade".

Alberto Mussa, autor de "A Primeira História do Mundo" e "O Senhor do Lado Esquerdo": "Acho, na verdade, esse Prêmio Nobel uma bobagem. Só o valor envolvido dá a ele relevância. Essa indicação é mais uma bola fora, tendo um Adonis e um Kadaré entre os premiáveis. A importância de um prêmio é a qualidade de quem julga, não a quantia que se paga.

Alexandre Staut, autor de "Paris-Brest": "Dylan ganhar o Nobel não deixa de ser interessante. Ele tem humor, seu trabalho tem frescor. O Prêmio este ano significa um avanço e tanto, quando pensamos que o Nobel sempre premiou autores de literatura séria, com obras de traços políticos. No entanto, a academia da Suécia poderia olhar mais carinhosamente para o hemisfério sul, América Latina e África, principalmente. Nos últimos 15 anos, a representatividade latina e africana no Nobel é mínima. Não que Dylan, Patrick Modiano, Alice Munro ou Doris Lessing não sejam maravilhosos. Mas Lygia Fagundes Telles e o queniano Ngugi Wa Thiong'o também o são. São dois escritores dos melhores, hoje. Sem contar nas cotas. Sou a favor de cotas, sempre".

Jacques Fux, autor de "Brochadas": "Estou me divertindo com o Nobel ao Bob Dylan! O meu próximo livro – que sai agorinha pela José Olympio – é sobre loucura judaica, sobre mitos, histórias e pessoas que tentaram entender e exorcizar a questão judaica. Acho que o Bob é um deles!"

Maurício de Almeida, autor de "A Instrução da Noite": "Não foi sem surpresa que recebi a notícia de que o cantor e compositor Bob Dylan havia recebido o Nobel de Literatura deste ano. Afinal, assim como grande parte do público que acompanha a condecoração, meus olhos (e apostas) estavam voltados àqueles que são escritores no sentido estrito do termo, isto é, aqueles que têm a literatura como forma de expressão. É verdade que Bob Dylan escreveu livros (dois, para ser preciso) e também pintou quadros, mas, acima de tudo, ele é músico e compositor – e no campo musical produziu as obras de maior envergadura. Trata-se, afinal, de um nome de grande relevância à cultura ocidental do século 20 e não por acaso é reconhecido por inúmeros prêmios mundo afora. No entanto, acredito haverem outros que, no campo literário, fizeram e fazem por merecer o Prêmio Nobel de Literatura mais do que Dylan".

André Argolo, autor de "Vento Noroeste": "Não conheço profundamente as letras do Dylan pra dizer o quanto é mais importante que ele ganhe agora e não outro. Mas transporto o significado para as letras no Brasil. E um Nobel para Chico Buarque, Gilberto Gil ou Caetano Veloso representaria o melhor da prosa e principalmente da poesia do Brasil. Meu sentimento é que seria o mais próximo possível de um reconhecimento a Drummond, Cabral, Bandeira, Graciliano, Guimarães Rosa, Machado".

Marcos Peres, autor de "O Evangelho Segundo Hitler" e "Quem Fim Levou Juliana Klein?": "A Academia Sueca surpreendeu em alguns pontos. Primeiro, por não deixar o nome vazar, diferente dos indícios do ano passado, quando o nome da vencedora disparou no último dia antes do anúncio. Para este ano, os nomes mais cotados, nas bolsas de aposta, eram o de Ngugi Wa Thiong'o e Adonis. E eu só não votei em Murakami, o nosso Vasco da Gama, porque as apostas são ilegais no Brasil e os sites de aposta não aceitam jogos vindos daqui. É relevante também por ser o primeiro Nobel americano desde que o secretário permanente da Academia Sueca, Horace Engdahl, declarou que os Estados Unidos eram demasiados insulares, não participando do diálogo da literatura. E também porque Dylan superou concorrentes de seu país sempre mais cotados, como Joyce Carol Oates e Philip Roth".

Nara Vidal, autora de "A Loucura dos Outros": "Fiquei surpresa. Mas não acho que seja menos merecedor se fundamentarmos essa discussão com o simples fato de ele não ser um representante de uma literatura na sua forma mais tradicional. Seus poemas, suas letras têm um lirismo tocante. Sua influência artística e cultural é inquestionável. Ele celebra a palavra e eu que escrevo e estou sempre à procura dela, aprecio seu uso em potência máxima. Aqui em casa, apostamos em cavalos e no Nobel de Literatura. Coloquei minhas fichas no Roth. Teria ficado bem satisfeita se ele tivesse ganhado. Não só pelos trocados que eu ganharia, mas pela sua arte. Parabéns pro Dylan!"

Wilson Gorj, editor da Penalux: "Entendo que um compositor é também poeta à sua maneira. Afinal, a poesia não é apenas forma (sonetos, haicais, trovas, canções), mas principalmente conteúdo. Nesse sentido Bob Dylan é, sim, um poeta que possa ser colocado ao lado de tantos outros já indicados para o Nobel. Mas suspeito (sim, suspeito; não posso afirmar isso porque não conheço a obra completa da maioria dos concorrentes) que havia autores no páreo com mais valor literário do que ele. Obviamente que eu teria ficado mais contente se o prêmio fosse para a Lygia Fagundes Telles. É triste que um estado americano tenha recebido o prêmio por duas vezes (Minnesota; o outro foi concedido a Sinclair Lewis, 1930) e um país continental como o nosso continue sem nenhum".

Jorge Ialanji Filholini, autor de "Somos Mais Limpos Pela Manhã": "O Nobel para Bob Dylan foi uma agradável surpresa. E enfatizo: finalmente. A honraria foi muito bem justificada pela comissão: Dylan criou uma nova expressão poética na canção americana e mundial. Literatura não são apenas páginas. Palavras no papel. Literatura é oralidade – e não deve ser considerada menor. Dylan foi além de sua criação poética, formou opiniões e culturas de diversas gerações – inclusive a minha – com seus versos – cantados ou declamados, tanto faz – que vão continuar soprando ao vento da literatura".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.