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HQ mostra como gangues de NY trocaram brigas por música e criaram o hip hop

Rodrigo Casarin

10/05/2016 10h32

Hoje Nova York é mais do que uma das principais cidades do mundo, é a referência que muitos têm da metrópole ideal. Nem mesmo seus problemas, como os quase 60 mil moradores de rua, parecem mudar a maneira que a Big Apple brilha perante os olhos de boa parte das pessoas. No entanto, o que muitos ignoram é que há algumas décadas a realidade do lugar era bem diferente.

No início da década de 70, após políticas públicas desastrosas que privilegiavam as indústrias em detrimento da população mais pobre, algumas regiões da cidade estavam tomadas pela marginalidade. Dessas áreas, a mais famosa era o Bronx, onde jovens precisavam quase que obrigatoriamente se tornar membros de gangues para que conseguissem andar com alguma segurança ao menos pelas vielas e quebradas dominadas por seu parceiros. Assim surgiram agrupamentos como Black Spades, Seven Immortals e Savage Skulls.

Quem imperava no chamado South Bronx eram os Ghetto Brothers, gangue criada por dois irmãos porto-riquenhos e que, em seu ápice, contou com mais de dois mil membros e se colocou no centro da mudança de perfil desses grupos. Quando um de seus integrantes foi assassinado por um membro de um grupo rival, Benjy Melendez, o líder dos Ghetto Brothers, convocou aqueles que estavam à frente dos outros bandos para que tivessem uma conversa tensa, porém franca: chegara a hora de colocar fim na violência que evidentemente fugira do controle e selar um acordo de paz.

A proposta que parecia improvável – como mudar de uma hora para outra o comportamento de milhares de jovens? – acabou sendo bem-aceita e quatro regras foram fundamentais para que a ideia tivesse sucesso na prática: os grupos deveriam respeitar uns aos outros e as áreas que cada um ocupava, problemas entre facções deveriam ser resolvidos somente pelos presidentes ou exclusivamente entre os membros que se desentenderam, as gangues que não concordaram com o acordo deveriam se juntar a outras, dissolver-se ou "seriam dissolvidas" e os presidentes se reuniriam periodicamente para discutir assuntos de interesses das "famílias". Funcionou.

Mas não que os grupos tenham acabado, e tendo que arrumar alguma forma de mostrar a superioridade de uma gangue sobre a outra, passaram a apostar na música e nas batalhas musicais: surgia, assim, o movimento hip hop, uma das manifestações culturais mais importantes do século 20, com muitos agrupamentos se transformando em crews, como a Black Spades, que se tornou a Universal Zulu Nation, criadora do refrão "paz, união, amor e diversão".

Toda essa história, com foco na vida de Benjy Melendez, está contada na ótima graphic novel "Ghetto Brother – Uma Lenda do Bronx", de Julian Voloj e Claudia Ahlering, lançada recentemente pela Veneta. "Jovens como Benjy atingiram a maioridade em meio à negligência maligna, à ressegregação e à política de abandono. Eles procuraram solidariedade, segurança e emoção nas gangues. Benjy era um pouco mais velho do que aqueles que se tornariam os pioneiros do hip hop, incluindo seu colega e amigo da gangue Black Spades, Afrika Bambaataa. Mas ele compartilhava o desejo deles de encontrar um caminho, tanto no sentido musical como no sentido social", escreveu o jornalista e crítico musical especializado em rap Jeff Chang na introdução da obra.

A HQ é valiosa não somente pela história em si, mas pelas perspectivas que elas nos traz. Se aquelas gangues conseguiram cessar seus conflitos e, em seguida, construir algo de dimensões globais, grupos semelhantes da atualidade também podem deixar suas diferenças de lado e atuarem em prol de algo em comum (impossível não pensar nas torcidas organizadas, por exemplo). E, nesse caso específico, a mudança no perfil dos grupos veio graças a atitudes de seus membros, não de políticas sociais, ações pontuais de governantes ou repressão policial. Não fossem alguns milhares de jovens para dar um basta na violência que começou com o estado e foi encampada por eles, talvez Nova York não fosse a menina dos olhos de boa parte do mundo hoje.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.