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Em “Luxúria”, Fernando Bonassi retrata nossa falência econômica e cultural

Rodrigo Casarin

23/02/2016 14h54

"Baseado em pessoas e acontecimentos reais, lamentavelmente".

É o que Fernando Bonassi alerta antes de começar a narrativa de seu mais recente livro, "Luxúria", no qual conta a história da família de um operário metalúrgico que, graças ao momento financeiro favorável que o país vivia e à facilidade para adquirir crédito, tem a chance de dar aos seus entes uma condição de vida nunca antes vista.

Ele, a mulher, o filho e o cachorro moram em uma casa de algum bairro periférico que abriga membros da chamada classe média baixa, porém outrora ascendente. No acanhado quintal, resolvem construir uma piscina que servirá de gatilho para que todos os problemas que a família vinha desenvolvendo com o tempo se desencadeiem.

Tanto cenário quanto personagens são caros a Bonassi, autor de livros como "Subúrbio" e "Passaporte" e famoso por roteiros de filmes e séries da estirpe de "Cazuza – O Tempo Não Para", "Estação Carandiru" e "O Caçador". Na sua vida, conviveu com uma família de operários metalúrgicos "reacionários, brutos e semialfabetizados", que "sabiam contar dinheiro e calcular ângulos simples nos tornos, nada mais", como disse em entrevista recente ao jornal Cândido. Além disso, na década de 1970, fez curso de ajustagem mecânica em uma unidade do Senai em São Caetano, o que lhe serviu de base para criar o ambiente de trabalho do protagonista.

São esses os principais elementos que o autor utiliza para construir um romance que coloca em cheque toda a ascensão econômica que as classes mais baixas da população brasileira tiveram nos últimos anos. Se é inegável que o poder de compra de parcela significativa das pessoas melhorou desde o início deste século, também é difícil não concordar que isso descambou sobretudo para um consumismo irresponsável e desenfreado, idêntico ao historicamente praticado pelos mais ricos.

Bens de consumo e viagens para Miami estavam, em pouco tempo, ao acesso de quase todos. No entanto, esse suposto desenvolvimento não impactou no crescimento cultural da população. A própria educação, o principal bem que deveria ter sido favorecido com o bom momento das finanças, continuou de escanteio e o que vimos foram pessoas aproveitando algum dinheiro no bolso – ou algum crédito no banco – apenas para adquirir os símbolos de poder das classes mais abastadas. Os trocados que sobraram foram transformados em cruzeiros marítimos ou dias em resorts all inclusive, carros invocados, roupas das marcas da moda, uísque ruim, mas de grife, ou… em piscinas, como no caso da família que acompanhamos em "Luxúria". Ter e consumir passaram a ser os verbos que definiam a cidadania do brasileiro.

Não bastasse, as relações pessoais degringolaram, o que Bonassi capta muito bem no livro. O operário não suporta seu ambiente de trabalho, mas, nos momentos de tensão, falta coragem de dizer aquilo que realmente pensa – ou repertório para se aprofundar em uma conversa sem descambar para impropérios. O filho é esculachado na escola, onde professores pouco se importam com o que acontece com os alunos e alguns garotos chegam a dar tiros no próprio pé para ganhar um trocado. A mãe vive dopada por calmantes e precisa de uma empregada doméstica principalmente para ter alguém em quem mandar e, assim, sentir-se plenamente dondoca. Até o cachorro é um coitado descartável que vive sendo escorraçado. Também se desentendem com os vizinhos, são enrolados pela igreja e desenganados por médicos, mas pouco importa, o essencial é fingir que a vida vai bem e vislumbrar que todos os problemas serão definitivamente resolvidos quando a piscina estiver pronta.

Claro que toda essa vida fundamentada em promessas e ingênuas projeções uma hora ruiria, bem como está acontecendo com nosso próprio país. Assim, com um tom profético – "Luxúria" começou a ser elaborado no começo desta década -, Bonassi constrói uma narrativa sofisticada, bem escrita e fundamental para nossos dias. Antecipa a crise que estamos vivendo, crise essa que tem fatores econômicos e políticos como importantes apoios, no entanto, está fundamentada principalmente em nossos problemas culturais.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.