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Nenhum contemporâneo demonstrou mais amor aos livros do que Umberto Eco

Rodrigo Casarin

20/02/2016 07h35

 

Na faculdade, aprendemos que jornalismo se faz com a razão. É verdade, mas não tem jeito, algumas notícias nos atingem pela emoção. Para mim, a morte de Umberto Eco é um desses raros casos.

No braço-de-ferro literário contra grandes autores, o italiano foi um dos primeiros fortões que venci. Tinha 14 ou 15 anos quando li "O Nome da Rosa" inteiro, incluindo as quilométricas descrições sobre a biblioteca do mosteiro medieval que o próprio autor admitiria que só estavam ali para testar a resistência daqueles que apreciavam a obra. Não me importava os olhares estranhos, lá estava eu na escola com o exemplar de capa verde de uma coleção de clássicos da literatura. Resisti, persisti e apoiei as costas da mão de Eco contra a mesa onde acontecia nossa disputa. Ganhamos aquela batalha.

Digo ganhamos porque, desde então, o nome do filósofo apaixonado por livros, com vasta formação acadêmica e que conseguiu unir os estudos eruditos com o mundo do entretenimento passou a estar em destaque no meu radar. Sempre que lia ou ouvia o nome de Eco, dava mais atenção aos que estava sendo dito ou escrito.

Procurando por tramas rocambolescas, encontrava Eco. Pesquisando sobre quadrinhos, encontrava Eco. Para saber mais sobre semiótica, encontrava Eco. História medieval? Eco. Os conceitos que estabelecem o belo e o feio? Mais Eco. Ele falava sobre a maior parte dos assuntos que me interessavam. Parecia ser um daqueles caras, muitas vezes insuportáveis, que tem algo supostamente inteligente a dizer sobre tudo. Só que ele não me soava chato e o que dizia quase sempre me pareceu pertinente.

Só que nessas frentes sempre encarei Eco como se tivéssemos em patamares distintos. No entanto, havia algo que nos aproximava sobremaneira: a paixão pelos livros. Descobri isso quando comecei a ler os inúmeros textos do autor sobre a literatura e a antiga maneira de se registrar os mais preciosos conhecimentos.

Eco era um acumulador compulsivo dos calhamaços de papel. Tinha mais 50 mil volumes armazenados em espaços em endereços diferentes, com controle de luz e umidade para os artigos mais raros. Uma das minhas memórias mais vivas dele falando a respeito do respeitável acervo foi quando um jornalista perguntou se ele já havia lido tudo aquilo. Espirituosamente, o filósofo respondeu que não guardava os livros que já havia devorado e que, se fizesse isso, teria uma coleção talvez com o dobro do tamanho.

Era lindo quando o italiano falava de livros – o que, felizmente, acontecia com frequência. Mostrava o conhecimento digno de qualquer acadêmico de respeito, mas também um amor e uma paixão tão vívidos quanto o de um adolescente em seu primeiro relacionamento. Nunca vi ninguém que demonstrasse tanto apreço por sua biblioteca quanto Umberto Eco.

Não, não tenho as dezenas de milhares de livros em minha modesta estante. No entanto, como Eco, também os amo e, em boa parte, graças a eles que pude conhecer um pouco melhor esse brilhante italiano contemporâneo.

E aí, nesses momentos, quando perco um colega como Umberto Eco, é mesmo difícil ter isenção e distanciamento do triste fato.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.