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Autor de mais de 200 livros infantis, Iacocca repudia “moral da história”

Rodrigo Casarin

15/10/2015 10h45

 

O nome de Michele Iacocca pode não lhe soar familiar, mas muito provavelmente você conhece algum de seus trabalhos. O italiano, reconhecido principalmente por conta de suas ilustrações, mudou para o Brasil na década de 1960 e assinou seu nome em mais de 200 livros, praticamente todos eles infantis. A vasta obra foi construída tanto com títulos solos quanto com parcerias com nomes como Liliana Iacocca, sua ex-mulher que faleceu em 2004, Carolina Michelini, a atual esposa, Tatiana Belinky e Ana Maria Machado.

Iacocca já chegou a produzir até dez livros por ano, mas agora faz entre três ou quatro. "Estou tentando fazer livros com conteúdo bastante profundo, que podem ser lidos tanto por crianças quanto para adultos", diz. Além das habituais encomendas de diferentes editoras, trabalha no "Soltando o Som", que faz junto de Carolina, musicista profissional. "O livro é de música para criança, para mostrar o que é o som, mostrar que ele pode até compor sua própria música", explica o ilustrador.

Desde a publicação de "As Aventuras de Bambolina", em 2006 – umas história sobre uma boneca de pano que passa por vários donos até ser largada no lixo -, que Iacocca vem explorando os livros sem palavras, apenas com desenhos. Em seguida, em 2008, veio "Rabisco – Um Cachorro Perfeito", que lhe valeu o Prêmio Luis Jardim de melhor livro de imagem oferecido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Ambos viraram peça teatral e, segundo o autor, dialogam tanto com crianças de 4, 5 anos, quanto com "uma pessoa de 80 anos".

Iacocca aposta nesses livros – o último foi "A Bola", deste ano – sem palavras para ajudar na formação do leitor. O autor repudia fortemente a ideia de obras com a moral definida, com pedantes lições, e crê que é por meio da empatia e da subjetividade que certos valores podem ser transmitidos. "À medida que a criança se comove com a 'Bambolina' e o que acontece com ela, por exemplo, vai incorporando valores como a compreensão e a ternura, de forma mais subliminar. É diferente da moral da história. A vida não tem moral, você a vive e aprende com ela, não com regras", explica.

A ideia de criar livros sem palavras veio quando Iacocca passou a ouvir falar com frequência sobre analfabetismo funcional no Brasil. "A leitura proposta neles é literária mesmo, não apenas gráfica. A imagem possibilita uma leitura mais ampla, mesmo que com a ajuda de um professor. Como autor, tento provocar essa leitura mais profunda, e isso pode ser uma outra forma de fazer literatura, com uma história mais aberta". Nesse sentido, crê que um bom livro infantil é aquele que permite uma leitura subjetiva e variada, para que a criança construa a sua própria interpretação.

Muitas dessas ideias vêm de sua própria infância. Iacocca nasceu em San Marco dei Cavoti, uma cidadezinha medieval no sul da Itália, entre Nápoles e Roma, e cresceu ouvindo as histórias contadas por um pastor de ovelhas que morava em um casebre fora dos muros da comuna. Aos domingos, um bando de garotos se juntava para escutar e ver o contador interpretando passagens de tradição oral, que depois Iacocca viria a encontrar em títulos como "Livro Das Mil e Uma Noites". "Quando um irmão esganava o outro na história, ele pegava uma faca e pulava no nosso pescoço, por exemplo, fazia a gente fugir, falava palavrões… São cenas muito vivas", lembra. " Isso sempre me vem. Quando faço um livro, quero fazer algo parecido, que tenha essa cor, digamos, essa vida", continua.

Ao se mudar para o Brasil, o italiano estudou artes plásticas, publicou tirinhas e cartuns em jornais e revistas e traduziu escritores como Umberto Eco. Nos anos 1970, passou a ilustrar livros para crianças, trabalho que, bem mais tarde, em 2009, levaria seu nome para a Lista de Honra do International Board on Books for Young People, organização internacional voltada àqueles que trabalham com livros infantis.

Prestes a completar 74 anos – faz aniversário na próxima segunda, dia 19 -, Iacocca vive alternando temporadas entre a Itália e o Brasil. Quando conversamos, estava em sua cidade natal, em uma casa que já foi a escola rural do lugar, localizada em meio a um bosque de oliveiras. De lá, continua fazendo desenhos marcam gerações.

 

 

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.