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Paraty, a Flip e meu bolso

Rodrigo Casarin

30/06/2015 16h05

 

Daqui a pouco farei a mala; amanhã, Paraty. Será apenas a minha segunda Flip, a segunda que vou para trabalhar. Não que antes ignorasse a festa, longe disso.

Apaixonado que sou por literatura, sempre tive vontade de estar na Flip, mas, sei lá por quais motivos, nunca conseguia organizar minha viagem.

Seria diferente em 2009. Gay Talese, jornalista que admiro desde que li "Honrados Mafiosos", viria para o evento e tinha decidido que o encontraria por lá. Claro que, provavelmente, o veria apenas pelo telão ou, quem sabe, na melhor das hipóteses, de longe. Mas iria mesmo assim. Só faltava convencer o meu bolso disso.

A Flip é indiscutivelmente cara. Nem só pelo preço dos ingressos, mas porque tudo na cidade fica inflacionado. Lembro que a opção mais em conta para me hospedar era um quarto compartilhado com outras 11 pessoas. A diária ficaria em quase R$100, mas fazer o quê. As refeições seriam, invariavelmente, lanches baratos. Tinha guardado uma grana contada para comprar os ingressos. Custavam uns R$40, pelo que me lembro. Isso na tenda principal. O telão era R$5 ou R$10. Selecionava as mesas que queria ver e, na hora de pagar…

20% de taxa de conveniência. Conveniência para quem? Ainda teria que retirar os bilhetes em algum canto, sequer seriam entregues em casa. Ali meu bolso gritou, deu uma marretada na minha cabeça, não faria mais aquela concessão.

Restou-me acompanhar a festa pela internet – algo que passei a fazer com frequência, aliás. Naquela e nas edições seguintes, escolhia o que interessava, comprava cerveja e ficava enfurnado no quarto assistindo tudo pelo monitor de 14 polegadas. Vez ou outra jogava videogame ao mesmo tempo, sempre deixando a televisão no mudo. Assim que vi o próprio Talese.

Outras mesas me marcaram, nem sempre por conta da qualidade. Esperava um grande embate entre o neurocientista Miguel Nicolelis e o cronista Luiz Felipe Pondé, mas não rolou. Foi como se dois monólogos se intercalassem. Os quadrinistas Robert Crumb e Gilbert Shelton também já tinham decepcionado.

Dos momentos positivos, lembro do Valter Hugo Mãe. Sua participação talvez tenha sido a mais marcante de toda história da Flip. Sua emoção causou comoção e o cara elogiar a Legião foi quase que uma exaltação a mim mesmo – com o perdão de tantos "ãos". O português brilhou tanto que, dizem, a argentina Pola Oloixarac depois reclamou de ter sido ofuscada no que era para ser um papo amistoso.

No ano passado, estreia em Paraty, acompanhei poucas mesas. Meu papel era cobrir o que acontecia fora da Tenda dos Autores. Fiz matéria com artistas de rua, sobre uma pelada entre escritores, a respeito de um sebo de ocasião que vendia obras raras. Do que pouco que vi na mesa principal, o papo do Marcelo Rubens Paiva com o Bernardo Kucisnki e o Pérsio Arida, sobre a ditadura no Brasil, foi o ponto alto. Na mesa final, o apelo de Davi Kopenawa para que atentassem às ameaças de morte que vinha (ainda vem?) sofrendo também marcou muito.

Este ano, independente do que meu bolso pensa, estarei lá de novo para ver quais serão as boas.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.