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Livros para colorir, a falta de tempo e nossas mentiras sinceras

Rodrigo Casarin

02/06/2015 11h35

 

Os livros para colorir estão em alta. Títulos como "Jardim Secreto", "Floresta Encantada" e "Fantasia Celta", somados, já venderam milhões de exemplares, aparecem com destaque impressionante em livrarias e atingem um número cada vez maior de pessoas. O sucesso é tanto que começou até a faltar lápis de cor em diversas papelarias – já mostramos isso aqui no UOL.

Como não poderia deixar de ser, a febre também veio acompanhada de polêmicas. Alguns alegam que ficar pintando desenhos seja coisa para criança, outros debatem se a atividade realmente possui poder terapêutico – muitos pintores garantem que colorir é um momento quase sempre solitário, introspectivo e desconectado da tecnologia, o que funciona como uma terapia. Importantes figuras do mercado editorial discutem se essas obras devem ou não figurar na lista dos mais vendidos, espaço que já dominam há algum tempo. Posso até ter uma opinião ou outra sobre esses assuntos, mas nada muito definitivo.

O que tenho certeza é de como muitas pessoas que até outro dia diziam não ter tempo para nada – e usavam essa desculpa para justificar a falta de leitura – encontraram espaço em suas agendas nem tão concorridas assim para passar duas, três, seis, dez horas semanais pintando. Até outro dia não tinham tempo sequer para ler um micro conto, mas agora acham quase todos os dias algum período ocioso para usar seus lápis de cor.

Quantos não passam boa parte de suas horas assistindo televisão ou navegando a esmo pela internet e, depois, alegam não ter tempo? Hoje pega até mal dizer que tem algum tempo sobrando. Estar sempre correndo e estressado virou um sinal bem estúpido de status. Daí que essa suposta falta de tempo serve como uma desculpa perfeita para não fazermos aquilo que não gostamos. Contudo, muitas vezes fica feio dizer "não leio porque não gosto", então diversas pessoas garantem não ler apenas pela falta de tempo.

Só que aí aparece uma atividade que lhes atrai e que, ironicamente, chega exatamente por meio de um livro, o que deixa a situação apenas mais caricata. Antes essas pessoas não liam um livro por falta de tempo, mas agora arrumaram algumas horas semanais para pintar… um livro! Continuam não tendo tempo para mais nada, mas se algum outro modismo aparecer, realocam suas agendas para que consigam fazer o que realmente querem.

Não vou dizer que deveriam deixar de pintar – ou de assistir tevê, navegar na internet, empinar pipa, ficar olhando passarinhos… – para ler. Cada um faz o que quer da vida. Quero apenas mostrar que a falta de tempo não pode servir de desculpas. Sempre arrumamos tempo para aquilo que nos interessa, sempre, desde que nos interesse de verdade. No Canto dos Livros, meu antigo blog, já havia escrito sobre como o preço dos livros servia como desculpa para aqueles que não queriam ler; a falta de tempo é outra dessas desculpas, talvez a mais utilizada atualmente, mas também não se sustenta.

Não quer ler? Não leia! Mas não fique inventando lorotas. Falta tempo? Além de que o tempo não para, Cazuza também cantava que mentiras sinceras lhe interessavam. Todos nós temos nossas mentiras sinceras, o problema é quando elas nos servem de muletas.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.