Eduardo Galeano foi muito além de “As Veias Abertas da América Latina”
Rodrigo Casarin
13/04/2015 11h04
Admirava profundamente Galeano, apesar de achar sua obra mais famosa, "As Veias Abertas da América Latina", esteticamente um porre, com um tom historicista demais, em que pese a relevância do tema tratado: como esta parte do continente americano foi estuprada ao longo de séculos, algo que sempre precisamos ter em mente para entender a nossa realidade.
Exatamente por isso que procurei por outros escritos do uruguaio. Em uma época que frequentava estádios semanalmente, encantei-me com "Futebol ao Sol e à Sombra", com seu olhar apaixonado, nostálgico, mas também crítico, sobre o esporte mais popular do mundo. Passeando por outras obras, como "Memória do Fogo", "Espelhos" e "Os Filhos dos Dias", seu último livro, lançado por aqui em 2012, encontrei histórias peculiares que se passam principalmente nos rincões de toda a América Latina, lugar que sempre serviu de fonte de inspiração e informação para Galeano.
Digo informação porque muito do que escrevia era baseado na realidade, ainda que criasse alguns detalhes e situações. Um exemplo: em "Os Filhos dos Dias", lembrou de Fernando, um cachorro vira-lata que viveu na cidade de Resistência, na Argentina, onde andava com músicos, acompanhava concertos, tomava café e comia croissant. Nunca foi de ninguém, mas, de tão querido, uma multidão acompanhou o seu enterro. Hoje há três estátuas de Fernando pela cidade.
O grande trunfo de Galeano era achar histórias como essa e transformá-las em literatura, dar-lhes um digno tratamento estético, exatamente o que faltou em sua obra mais conhecida. Seus textos eram, quase sempre, muito concisos e flertavam com o miniconto e a crônica, ainda que não se encaixassem exatamente em nenhum dos formatos – algo que agrega valor ao artista, aliás. Em obras de fôlego, eram fragmentos que compunham o todo.
Entretanto, apesar de trabalhos de grande valor literário, foi mesmo "As Veias Abertas da América Latina", publicado em 1971, que o fez conhecido em todo o mundo, tanto que, em 2009, o livro ficou entre os dez mais vendidos na Amazon após Hugo Chávez dá-lo de presente a Barack Obama durante a 5ª Cúpula das Américas.
Galeano costumava dizer que jamais escreveria novamente "As Veias Abertas da América Latina". Ótimo! Graças a isso, provavelmente, que seu estilo evoluiu e ele se tornou um dos autores contemporâneos mais interessantes do mundo. Fez isso mantendo, ao longo de toda vida, uma firme posição de esquerda, marcada principalmente pelo questionamento do poder e das riquezas. Fará falta esse uruguaio, seja por suas ideias, seja pela forma que as expunha.
Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.