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Com natureza bruta, bestial e mítica, HQ estraçalha a razão

Rodrigo Casarin

28/02/2020 10h53

"Realmente, estou montando um bestiário. Sempre fui fascinado por tudo aquilo que subverte, que excede os limites, principalmente aqueles que estraçalham a razão. A animalidade é algo que me cativa muito de maneira literária. Os animais, sejam eles nos contos, nos quadrinhos ou nas pinturas, são um forma de me manter no celeiro, relinchando toda noite".

Foi o que Wagner Willian me disse em 2016 ao lançar o ótimo "Bulldogma" (Veneta), numa pergunta que ainda ecoava o seu "Lobisomem Sem Barba" (Balão Editorial). Se o quadrinista deu mais um passo na exploração dos conflitos e dos pontos de contato entre humanos e animais em "O Maestro, o Cuco e a Lenda" (Texugo), de 2017, agora seu bestiário atinge o nível mais alto de qualidade em "Silvestre" (Darkside Graphic Novel), lançado no final do ano passado. É uma obra que, como o autor almejava há anos, estraçalha a razão e traz uma animalidade singular.

"Silvestre" é inspirado em "Walden", clássico do norte-americano Henry David Thoreau, escrito após o autor se isolar numa floresta para viver o mais intensamente possível em meio à natureza, isso em 1845. A ideia era tentar entender as necessidades vitais e a sociedade da qual se apartara. No trabalho de Willian, acompanhamos um velho caçador imerso numa natureza bruta, ameaçadora – não há espaço para o idílico na obra do quadrinista, o que contrasta com os momentos de pegada fabulesca. O que há, sempre, é abertura para o fantástico, para o mítico, para o transcendental. E também doses generosas e perturbadoras de suspense e violência.

O lado bestial dos seres humanos colide com os aspectos antropomorfos dos animais e garante uma subversão que afaga quem não gosta da ideia de ver um marmanjo andando armado no meio de uma floresta. Nesse ponto, "Silvestre" se conecta em partes com o clima que toma conta de boa parte do romance "Sobre os Ossos dos Mortos", de Olga Tokarczuk, polonesa que venceu o Nobel de Literatura de 2018.

Não bastasse a qualidade da narrativa de "Silvestre", a arte também é invejável. Para compô-la, William, que se confirma como um dos nomes mais interessantes de nossas HQs, apostou no lápis, no nanquim, no óleo, óxido de ferro… Enfim, no que estivesse às mãos e pudesse ajudá-lo a elaborar as melhores ilustrações possíveis. O resultado são páginas e páginas que, isoladas, já se justificam como obras que mereceriam estar expostas em algum grande museu de belas artes pelo mundo.

Eis aqui algumas páginas de "Silvestre" (clique nas imagens para ampliá-las):

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.