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Taco de beisebol, cocaína, golpe na Apple… A história da Uber em livro

Rodrigo Casarin

14/02/2020 10h41

"É uma história que apresenta os principais tópicos do Vale do Silício na última década: a velocidade das transformações tecnológicas pode se chocar com sistemas trabalhistas arraigados, perturbar o desenvolvimento urbano e virar toda uma indústria do avesso em questão de anos. É a história de uma indústria extremamente sexista, fomentada por um desequilíbrio de gênero e uma crença equivocada na meritocracia tecnológica, incapaz de enxergar os próprios desvios".

É dessa forma que o jornalista norte-americano Mike Isaac apresenta o seu "A Guerra Pela Uber", que acaba de sair no Brasil pela Intrínseca em tradução de Alexandre Raposo, Bruno Casotti e Leonardo Alves. Trata-se de um livro-reportagem sobre as pouco elogiáveis táticas para ascensão, as primitivas políticas empresariais e os conflitos entre os principais mandachuvas e investidores da multinacional. Por mais que sejam fortes, são fidedignas as palavras escolhidas pelo autor para introduzir o leitor ao que ele conhecerá em detalhes nas mais de 400 páginas.

Não é segredo par ninguém que a Uber sempre apostou nas áreas cinzentas das leis e regulamentações para crescer. Pensar em maneiras de aproveitar o que não está claro ou tipificado nos compêndios e, ocasionalmente, incentivar que motoristas não deem muita bola para pequenas autoridades são práticas da empresa que já conhecemos.

O trabalho de Isaac, no entanto, mostra que a instituição tem postura semelhante para quase tudo o que precisa fazer. Para atropelar problemas, passaram a perna até na Apple, criando um sistema que ocultava recursos do aplicativo em certas áreas para que administrados da teórica parceira não descobrissem determinadas funções do programa. Num ambiente em que apenas a própria organização importa, o lucro e o crescimento justificam qualquer ação, o que vale são os números e a imagem (ou a maneira como a imagem impacta nos lucros). Saímos do livro com a impressão de que ética é algo que os chefões por trás do aplicativo desconhecem.

Amostra disso vem dos episódios protagonizados por líderes da empresa ao redor do mundo. Na Malásia, ao ser procurado por uma funcionária que temia ser estuprada, um gerente-geral tratou o caso desta forma: "Não se preocupe. O plano de saúde da Uber é ótimo. Vamos pagar seu hospital". Na Tailândia, um gerente, numa festa, agarrou uma funcionária pelo cabelo e "enfiou a cara dela no monte de cocaína em cima da mesa, obrigando-a a cheirar na frente de todo mundo". Outro caso reportado vem do Rio de Janeiro, onde um gerente arremessava canecas de café em subordinados e os ameaçava com tacos de beisebol se as metas não fossem atingidas. O Brasil ainda é usado de exemplo de como a empresa demorou para se preocupar com motoristas que vinham sendo assassinados – só se mexeram após a 16ª morte por aqui, escreve Isaac.

"Um emprego na Uber não era um emprego qualquer – era uma missão, uma vocação. Se a pessoa não estivesse disposta a ficar até tarde no escritório e varar noites e fins de semana, ela não deveria trabalhar ali", constata Isaac, numa tendência que parece se espalhar por empresas dos mais diversos setores de todo o mundo. Num ambiente em que "jornadas diárias de doze horas e uma vida social inexistente se tornam virtudes", pululam profissionais que acham bonita a ideia de só descansar quando morrer e creem ser digno pisar na cabeça do mundo inteiro para bater as próprias metas. Numa cultura completamente machista e nada diversa, as principais lideranças vez ou outra eram compensadas com festas cheias de prostitutas e fins de semana de esbórnia chegavam a custar 25 milhões de dólares.

Outro trecho de Isaac condensa bem a sensação que temos após ler "A Guerra Pela Uber": "Mais do que muitas outras empresas de tecnologia, a Uber valorizava os todo-poderosos mestres em administração, cujos diplomas de MBA indicavam competência para os negócios e, em geral uma mentalidade de macho alfa. É claro que nem todo detentor de MBA era babaca. Só parecia que muitos dos que 'eram' babacas tendiam a se sentir em casa quando começavam a trabalhar na Uber".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.