Um país evangélico: livro pode ser a chave para entendermos nosso futuro
Há poucos dias o Datafolha soltou uma pesquisa sobre a fé no país. 50% dos brasileiros são católicos, apontam os números, 31% são evangélicos e 10% não possuem religião alguma (me incluo nestes). Um outro dado chamou bastante atenção: pelas projeções, a estimativa é que até 2032 a quantidade de evangélicos supere a de católicos, invertendo a liderança. Adoraria olhar para esse fenômeno e mandar o bordão do Chico Barney: "Por mim, tudo bem", mas não é o caso.
Antes mesmo de se transformarem em maioria, os evangélicos já são nossa maior potência política. Com Crivella, chegaram à prefeitura do Rio de Janeiro. Com Bolsonaro, veem-se bem representados na presidência do país. A bancada que os representa no Congresso Nacional cresce sempre que vamos às urnas e efeito semelhante se dá após cada eleição estadual e municipal. Hoje, ganhar um pleito para os principais cargos executivos sem acenar ou realizar conchavos com lideranças políticas que colocam a religião à frente do Estado é praticamente impossível. Não é por acaso que a esquerda – principalmente o PT – quebra a cabeça para conseguir se aproximar de pastores e seus rebanhos. Se outrora havia preocupação em lutar para que a religião permanecesse o mais longe possível da política, agora o discurso é outro.
Com o crescimento do número de evangélicos no país e a provável troca de posição no topo do ranking da fé dos brasileiros, é certo que o poder político desses religiosos crescerá ainda mais. Aqui, então, lembro e aproveito para recomendar um livro-reportagem da jornalista Andrea Dip: "Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e seu Projeto de Poder", obra publicada em 2018 pela Civilização Brasileira e cuja relevância se torna maior a cada dia. Apesar de datado – é uma investigação sobre o que acontecia no Congresso entre 2015 e 2018 –, permanece como um retrato relevante de como as engrenagens da fé e da política se misturam em Brasília.
Andrea mostra ao leitor um cenário no qual deputados e senadores tomam decisões sobre temas como o aborto e os direitos LGBTQ em meio a cultos, leituras da Bíblia e tentativas de obter mais privilégios para as igrejas. A aliança com outras alas conservadoras e o fomento de debates retrógrados como o da cura gay, da ideologia de gênero e da Escola Sem Partido também são apresentados pela autora, bem como um panorama histórico do crescimento dos evangélicos no país e a aproximação de lideranças com a política.
"Em Nome de Quem?" acabou não indo à final, mas foi um dos livros mais importantes que li no júri da categoria Biografia, Documentário e Reportagem do Prêmio Jabuti de 2019. É verdade que alguns personagens centrais do livro andam aparentemente distantes das tramoias políticas (como Eduardo Cunha, preso desde 2016), mas o modus operandi de pastores e outros "homens de fé" eleitos pelo povo se acentuou desde que o título foi publicado – vide um criacionista à frente da Capes.
"A partir da atuação da bancada no Congresso, nos estados e nos municípios do país nas últimas legislaturas, é possível dizer que há um projeto de poder em curso, com eixos bastante marcados. E os políticos evangélicos têm sido atores importantes, quando não, protagonistas", afirmou Andrea em entrevista ao Universa, aqui mesmo do Uol, ao ser questionada sobre a organização da bancada da Bíblia. Levando em conta o que apontou a pesquisa do Datafolha, é bom termos uma consciência cada vez maior desse projeto. "Em Nome de Quem?" é um livro importante para entendermos para onde o Brasil está caminhando em velocidade acelerada – ou o que o Brasil já virou e ainda não percebemos.
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