Livro sobre a influência de fake news nas eleições usa Brasil como exemplo
"Uma forma de impaciência legítima tomou conta de todo mundo: não estamos mais dispostos a esperar. Google, Amazon e os deliveries de comida nos habituaram a ver nossos desejos atendidos antes mesmo de terem sido totalmente formulados. Por que a política deveria ser diferente?"
É o que indaga Guiliano Da Empoli, cientista político franco-italiano, a certa altura de "Os Engenheiros do Caos – Como As Fake News, As Teorias da Conspiração e os Algoritmos Estão Sendo Utilizados Para Disseminar Ódio, Medo e Influenciar Eleições" (Vestígio). Indo além do subtítulo, que já resume bem a obra, o autor analisa o que aconteceu em disputas recentes em países como Estados Unidos, Itália, Hungria e Brasil para tentar – e, com certo sucesso, conseguir – entender como a extrema-direita está tomando a dianteira de diversas nações.
Por trás da ascensão dos líderes extremistas estão os verdadeiros engenheiros caos. Gente como Gianroberto Casaleggio, Beppe Grillo e o Movimento 5 Estrelas, da Itália, Dominic Cummings, diretor da campanha do Brexit, e Steve Bannon, que orquestrou a campanha de Trump e hoje sonha com uma Internacional Populista. São eles os responsáveis por unir extremistas, compreender dados e manipular ações que começam no mundo digital, transbordam para todas as esferas da realidade e impactam radicalmente no cenário político.
Disse, certa vez, o finado Arthur Finkelstein, outra dessas mentes: "A coisa mais importante é que ninguém sabe nada. Em política, o que você percebe como verdade é que é a verdade". É nessa máxima que apostam certos candidatos. Ao longo do livro, o autor explica como tropas de choque digitais atuam em blogs, sites e comunidades de redes sociais para espalhar as ideias responsáveis por atrais novos simpatizantes para perto das lideranças extremistas e manter em constante alerta os já convertidos, que funcionam como batalhões para atacar opositores.
Esses "engenheiros" são os principais responsáveis por entender os desejos mais arcaicos das massas ("as pulsões mais secretas e violentas do público", como escreve o autor) e mostrar aos candidatos que atender a esses anseios pode trazer bons resultados nas urnas. "Pela primeira vez depois de muito tempo, a vulgaridade e os insultos não são mais tabus. Os preconceitos, o racismo e a discriminação de gênero saem do buraco. As mentiras e o conspiracionismo se tornam chaves de interpretação da realidade", registra.
Num ambiente em que a palavra-chave é engajamento, responsável por fazer com que pessoas passem cada vez mais tempo navegando pelas redes sociais, a qualidade do material veiculado não importa. No entanto, notícias falsas e teorias da conspiração, amplamente utilizados por esses populistas, fazem comprovadamente mais sucesso do que qualquer outro tipo de conteúdo. Então, o "jogar para a torcida" toma proporções drásticas. Dados apontam que o povo quer ouvir falar sobre repressão a LGBTs ou o fim da presunção da inocência? Basta a esses políticos adequarem seus discursos.
E se os dados mostrarem que o povo mudou de ideia, sem problemas, é só construir um novo discurso e fingir que o antigo jamais existiu. São lideranças que dançam conforme os algoritmos sem o menor pudor ou constrangimento em mudar radicalmente as passadas para atender a "demanda de consumidores políticos". Ao cabo, Empoli explica que tudo isso é um sintoma do fim da realidade objetiva, consequência de um tempo em que a da verdade se estabelece conforme a maneira como cada um encara o mundo, resultando no que chama de "política quântica".
O Brasil de Bolsonaro
"No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento, e esse já é eclipsado por um outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática. Diante desse espetáculo, é grande a tentação, para muitos observadores, de levar as mãos aos céus e dar razão ao bardo: 'O tempo está fora do eixo!'. No entanto, por trás das aparências extremadas do Carnaval populista, esconde-se o trabalho feroz de dezenas de spin doctors, ideólogos e, cada vez mais, cientistas especializados em Big Data, sem os quais os líderes do novo populismo jamais teriam chegado ao poder", escreve Giuliano.
O Brasil ocupa um lugar de destaque em "Os Engenheiros do Caos". O nome de Jair Bolsonaro é encontrado com certa frequência ao longo da obra, mas também há espaço para alguns de seus homens de confiança, como o guru Olavo de Carvalho e o filho Eduardo – inclusive Giuliano ressalta o "aspecto anedótico" de Eduardo ter ido a um encontro no hotel Trump International com um boné escrito "Make Brasil Great Again".
Exemplos brasileiros também são utilizados para mostrar como os políticos extremistas se beneficiam das redes. "Os brasileiros assistiram, nos últimos anos, à ascensão de uma nova geração de YouTubers de extrema-direita, que souberam explorar o algoritmo da plataforma para multiplicar sua visibilidade (e seu faturamento). É o caso de Nando Moura, um guitarrista amador que reúne mais de três milhões de inscritos no seu canal do Youtube, alternando canções, instruções para videogames e, sobretudo, uma variedade extraordinária de teorias da conspiração", escreve, para depois abordar diretamente nossa última eleição presidencial. "No Brasil, os comunicadores a serviço do candidato ultranacionalista Jair Bolsonaro driblaram os limites impostos aos conteúdos políticos no Facebook comprando milhares de números de telefone para bombardear quem utiliza WhatsApp com mensagens e fake news".
São amostras de como estamos sendo vistos pelo mundo. São também (mais) alertas.
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