Famosa por Harry Potter, Livraria Lello parece estranhar leitores
A Lello se tornou uma livraria mística. Serviu de inspiração para J. K. Rowlling ao longo da escrita de Harry Potter, garantem muitos. Teria sido usada para a gravação de cenas do filme do bruxo, afirmam outros tantos. Difícil comprovar tanto uma coisa quanto outra, mas o fato é que as duas máximas colaboraram radicalmente para a construção da fama da loja instalada no Porto, em Portugal, numa simpática rua que faz esquina com a universidade local e está a poucos metros da Torre dos Clérigos, outro destino badalado da cidade.
Não bastasse essa suposta relação com o universo de Harry Potter – em artigo recente para o New York Times, Jorge Carrión, um dos maiores especialistas em livrarias do mundo, atribui tal relação a um mal-entendido –, a Lello também é presença certa nas listas (que parecem se retroalimentar) das livrarias mais belas do mundo e não vê problemas em se promover com tal.
Junte a associação a um dos maiores fenômenos pop da história com o marketing pouco modesto e pronto, temos uma combinação irresistível. Diariamente, multidões de turistas pagam 5 euros só para entrar no lugar (a grana serve de desconto na compra de algum livro) e tentar tirar uma boa foto nos corredores apertados e apinhados de gente, tarefa quase impossível.
Estive na Lello há alguns dias. É mesmo uma bela livraria. De sua fachada com um toque gótico, destaque para duas grandes figuras que representam a arte e a ciência. No interior, altas prateleiras de madeira que se erguem até o teto, o que sempre me agrada. A iluminação é bem trabalhada no jogo de luz e sombra. A famosa escada vermelha que se divide no meio do caminho para se reencontrar na chegada ao piso superior tem seu charme, mas é pequena, fica aquém do que podemos imaginar em fotos superbem trabalhadas. Um bom registro fazendo pose ou alguma graça nessa escada é o cálice de ouro para boa parte dos visitantes, especialmente para os fanáticos por Potter. Bonito mesmo é o vitral no teto da loja. Nele, vemos o símbolo do lugar: um homem de torso nu sentando a marreta em algo e a inscrição "Decus in Labore".
Ou seja, o cenário tem seu valor. Mas há problemas. Diferente do que algumas imagens podem nos fazer crer, a Lello é comprida e estreita, acanhada. Inaugurada em 1906, a loja foi claramente pensada para ser aconchegante e intimista, não para atender multidões de turistas que caem no marketing megalomaníaco. Impossível explorar seus corredores sem dar ou levar muitos encontrões. Por conta desse tumulto, difícil garimpar livros em suas prateleiras um tanto desfalcadas (não encontrei nem o Saramago que procurava, mas pelo menos abracei um aparentemente curioso do Afonso Cruz, "Enciclopédia da Estória Universal – Biblioteca de Brasov"). Confirmando que a função primeira da Lello passou a ser destino turístico, não livraria, encontrei gente enchendo a boca para dizer, com certo orgulho e muito deboche, que não aproveitaria os 5 euros da entrada para abater na compra de livro algum, já que nunca lê nada mesmo.
No final, a impressão é que estamos num lugar frequentado primeiro por turistas alheios à literatura ou mesmo ao universo de Harry Potter, que encontraram a livraria num roteiro de coisas para se fazer no Porto e foram lá garantir sua foto. Depois vem os fãs do bruxo, que não necessariamente são pessoas profundamente ligadas aos livros (lembremos: há quem ame Potter apenas por conta dos filmes). Finalmente, em um número bem menor, os leitores, aqueles que vão até a Lello porque são amantes da literatura, um tipo que parece ter se tornado um tanto estranho para essa bonita loja centenária.
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