Religião, sexo e patadas diversas se misturam em HQ de Moebius e Jodorowsky
O professor Alain Mangel evoca Eckhart após sentar uma bica numa idosa que mendiga em frente à igreja. "Mestre Echart disse: 'quando um homem opera uma boa obra, a obra que faz o liberta'. Sim, estou disposto a abdicar da minha liberdade, se com isso me liberto de você", diz ele enquanto um cachorro choraminga lambendo a senhora.
A arrogância e o esnobismo intelectual que emana de certos acadêmicos, a própria universidade, outras instituições, como a Igreja… Tudo isso está no alvo do cineasta e escritor chileno Alejandro Jodorowsky e do quadrinista francês Moebius em "A Louca do Sagrado Coração". A HQ foi lançada originalmente no início dos anos 1990, quando a dupla já tinha sido consagrada pela série de quadrinhos "Incal", mas apenas agora chega integralmente ao Brasil – a responsável pela edição nacional é a Veneta.
Alain Mangel é um professor da Universidade de Sorbonne que, com empáfia, vive mais no plano filosófico do que no físico. Reviravoltas na sua carreira acadêmica e na vida pessoal, no entanto, fazem com que seus interesses se tornem muito mais terrenos, lançando o mestre numa jornada que vai de Paris à floresta amazônica e que mistura padres e traficantes, aventura e comédia (em alguns momentos canastrona), esoterismo e erotismo com pegada feminista.
"O erotismo aqui é bem distante da maior parte daquele produzido pela indústria pornô e não serve para alimentar as fantasias masculinas de poder sobre a mulher. Muito pelo contrário: simpático desde há muito às ideias feministas, Jodorowsky ridiculariza as pretensões machistas de superioridade masculina", escreve Rogério de Campos, responsável pela tradução de "A Louca do Sagrado Coração" junto com Letícia de Castro, na introdução do volume.
Também editor da Veneta, Campos aponta que "a dupla de quadrinistas ri deles e de todo mundo: do jornalismo, dos estudantes maoístas, do imperialismo norte-americano, da publicidade, do racismo e machismo da elite cultural parisiense, da espetacularização de tudo pela indústria cultural. E parecem rir deles mesmo pelo fato, por exemplo, de terem se tornado gurus ou, como Moebius diz ironicamente, unicórnios".
Veja algumas páginas de "A Louca do Sagrado Coração":
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