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Por que o Brasil nunca ganhou o Nobel de Literatura? Mas ele merecia um?

Rodrigo Casarin

10/10/2019 11h01

Quadro de Militão dos Santos.

"Por que o Brasil nunca ganhou um Nobel? Essa pergunta sempre ressurge em outubro, quando a Academia Sueca anuncia os vencedores do ano nas seis categorias do prêmio". Dessa forma que abri o texto abaixo, escrito em 2017. A questão continua recorrente e a opinião que manifestei há dois anos segue válida, por isso republico o artigo neste dia em que a Academia Sueca anunciou o prêmio para mais dois europeus: a polonesa Olga Tokarczuk e o austríaco Peter Handke.

Faço apenas dois reparos sobre o que vocês lerão abaixo. Apontei que o egípcio Naguib Mahfouz escreve numa língua que está à margem do umbigo da Academia Sueca, o que continua sendo verdade, mas deveria ter feito uma ponderação importante: a tradição árabe é extremamente forte na história literária.

O outro é sobre como o governo brasileiro reagiria ao Nobel para alguém do país. Se antes haveria oportunismo, agora, pelo menos com o de Literatura, não haveria nada. Nossos atuais mandatários, truculentos e toscos como jamais visto, parecem achar bonito menosprezar a arte, lembrando-se dela apenas na hora de cercear, marginalizar e censurar.

Pois vamos ao texto.

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Por que o Brasil nunca ganhou um Nobel? Essa pergunta sempre ressurge em outubro, quando a Academia Sueca anuncia os vencedores do ano nas seis categorias do prêmio: Física, Química, Medicina, Literatura, Ciências Econômicas e Paz. Bom, como ninguém sabe exatamente quais são os critérios adotados por aqueles que escolhem os premiados, posso especular os motivos pelos quais ninguém do país foi agraciado até aqui – focarei na Literatura, mas os pontos podem ser estendidos para as outras áreas nobelizáveis, creio.

A primeira questão é a nossa língua. Apesar de o português, língua nativa de mais de 250 milhões de pessoas, ser o sexto idioma mais falado do mundo, apenas 10,3 milhões dessa gente está em um país mais ou menos central no panorama global, em Portugal. E digo mais ou menos central porque está na Europa, mas longe de ter a mesma relevância de uma Alemanha, França ou Itália – consequentemente, a língua passa a ter impacto menor do que, respectivamente, o alemão, o francês ou o italiano.

É sabido que um autor finlandês, por exemplo, prefere ter seu livro traduzido para o alemão, francês ou italiano. Isso porque estar nessas línguas aumenta as chances dele ser visto como um escritor incontornável – basta ver Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, Gabriela Mistral e outros premiados latino-americanos que escrevem ou escreviam em espanhol, idioma também de relevância considerável. Claro que há premiados do Nobel que escreviam em línguas "menos badaladas", como o egípcio Naguib Mahfouz (árabe) e, óbvio, José Saramago, o único a levar o galardão cunhando palavras em português, mas esses são exceções.

Junte a língua à posição global do Brasil e o problema aumenta. Se o português não é uma língua central, tampouco somos um país que chama grande atenção no globo – em que pese continuarmos entre as maiores economias da Terra, ninguém liga para o que acontece no pasto. Principalmente em termos culturais, ainda nos veem por aí como uma caricatura: samba, carnaval… Isso faz com que seja ainda mais difícil notarem nossas virtudes literárias, que obviamente existem.

Exemplos de brasileiros que poderiam ter levado o Nobel? Jorge Amado (talvez o que tenha chegado mais perto por conta do sucesso que ainda faz no exterior), Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos e Ariano Suassuna. Dentre os vivos (e, portanto, virtualmente na disputa), Lygia Fagundes Telles, cogitada há algum tempo, e o outrora recluso Raduan Nassar são opções consideráveis. Todos esses são escritores melhores do que Svetlana Alexievich, por exemplo, a premiada em 2015. No entanto, vale lembrar que diversos gênios das letras jamais foram agraciados pela Academia Sueca, como Jorge Luis Borges, Liev Tolstói, Marcel Proust, Virginia Woolf e James Joyce.

O Brasil merece um Nobel de Literatura?

O prêmio é entregue a escritores, não a países – em que pese a língua e a nação ajudarem e evidenciar ou ocultar esses escritores. Apesar disso, quando alguém ganha o Nobel, automaticamente é dito que o prêmio foi para tal país. Sim, já disse que temos autores que mereceriam o galardão, mas agora mudo ligeiramente a pergunta: o Brasil é um país que merece o Nobel de Literatura?

Apesar de dados indicarem que mais da metade da nossa população tem o hábito de ler livros, o que vemos na prática não costuma corresponder aos números. Além disso, quase 50% desses que dizem ler costumam ter a "Bíblia" como leitura. A tiragem de livros literários no país – que gira em torno de 3000 exemplares ou menos – dá uma dimensão melhor de como o brasileiro se relaciona com tal arte. Não bastasse, o governo vem investindo cada vez menos na área e anunciou há pouco que não fará editais para a compra de obras literárias para escolas e bibliotecas em 2018. Dito isso, repito: o Brasil é um país que merece o Nobel de Literatura?

É algo que extrapola a premissa do prêmio em questão – que, recordo, teoricamente congratula o trabalho do indivíduo, não o que está ao seu redor -, mas me parece que somos um país mais preocupado em ter por ter um Nobel do que em conquistá-lo, do que em merecê-lo. Mesmo com esse cenário calamitoso, não há dúvidas de que nossos políticos se aproveitariam de um galardão desses para tentar vender a ideia de um país de leitores e altamente preocupado com as artes – o que, até pelos últimos medievalismos envolvendo museus, sabemos ser mentira. Olhando por esse aspecto, por ora é até melhor que o Nobel fique longe do Brasil.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.