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Pesquisa aponta perfil dos escritores e confirma dificuldade para mulheres

Rodrigo Casarin

21/08/2019 09h40

O escritor brasileiro trabalha também como jornalista (23%), professor universitário (13%), editor, roteirista ou exclusivamente como escritor (5% cada). É formado em Letras (18,93%), Jornalismo (14,69%), Direito (5,08%), História (3,11%), Filosofia ou Publicidade e Propaganda (2,82% cada). A esmagadora maioria reside no sudeste do país (75,38%), enquanto ninguém que fez parte da pesquisa mora no norte. O gênero favorito para a estreia é o conto (46,15%), seguido do romance (29.23%) e da poesia (13,85%).

Esses são alguns dados levantados pelo cientista social Marcello Stella na pesquisa que realizou ao longo de seu mestrado na USP, onde atualmente faz doutorado. Para entender como se dá a profissionalização de escritores no Brasil desde o final do século passado e escrever a dissertação "Literatura Como Vocação: Escritores Brasileiros Contemporâneos no Pós-redemocratização", o acadêmico se debruçou sobre carreira de autores publicados por nove editoras paulistas ou cariocas (o que talvez explique explica parte dos dados): Companhia das Letras, Cosac Naify, Editora 34, Boitempo, Patuá, Ofício das Palavras, 7 Letras, Record e Rocco. Na apuração, levantou informações de 354 autores (dados do primeiro parágrafo sobre ocupação e formação se referem a esse universo), consultou via questionário 65 desses profissionais (dando origem a dados como residência e gênero de estreia) e ainda realizou 14 entrevistas. A pesquisa pode ser lida aqui.

Olhando para os números levantados pelo pesquisador, parece haver a confirmação do sentimento geral de que temos escritores, jornalistas e professores demais protagonizando nossos livros, num claro reflexo da formação e da profissão dos próprios autores. Segundo Marcello, a influência do jornalismo entre os escritores vem diminuindo desde o início deste século, enquanto aumenta o impacto do meio acadêmico. Se por um lado os empregos em jornais ficaram menos estáveis, por outro, ao menos até pouco tempo atrás, bolsas de mestrado e doutorado podiam ajudar escritores a pagar suas contas.

"Dado alto grau de escolaridade desses autores e autoras, é gente que escreve bastante com os olhos voltados para as teorias literárias e debates recentes. Os escritores e escritoras são unânimes em dizer que a crítica de jornal praticamente não existe mais, mas que respeitam e estão atentos ao trabalho crítico concebido na universidade, o qual consideram mais robusto. Acontece, então, de termos muitos romances em diálogo com as críticas, narrativas não-lineares, questionamentos sobre a realidade e a ficção… Além de muitos trabalhos que falam sobre a própria dificuldade de ser escritor. Onde isso muda na literatura contemporânea é nas chamadas literaturas periféricas ou marginais", diz o pesquisador ao blog.

Ainda sobre as origens sociais dos escritores estreantes, a pesquisa aponta que eles compõem um grupo bastante homogêneo. "A maioria vem de famílias de classe média, com pais ligados a profissões liberais, do Rio e São Paulo, sobretudo, com alguma importância de Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Na universidade que muitos e muitas conheceram professores, mediadores e amigos ou amigas que os ajudaram a se inserir no mundo literário, apresentando um crítico famoso, um editor, agente…. Alguém que atuou decisivamente na publicação de um primeiro trabalho".

O pesquisador vê a concentração de escritores residindo no eixo Rio-São Paulo como uma consequência da histórica concentração do sistema cultural e intelectual brasileiro nesses dois estados. "Mas, não que não existam bons e boas autoras no resto do Brasil", pondera. "O próprio trabalho mostra que muitos gaúchos e mineiros acabam vindo para São Paulo ou Rio se querem viver de ou ao redor da literatura. Há mais campo consolidado nesses estados. Atualmente, destacaria Pernambuco e Paraná como polos importantes também, mas sem o poder de atração de Rio e São Paulo".

Outro ponto que Marcello destaca de sua pesquisa é a dificuldade que as mulheres enfrentam para alcançar o progonismo. Em sua amostra, elas correspondem a 30% dos estreantes. "Além de serem numericamente sub-representadas, elas têm dificuldades de conseguir o mesmo reconhecimento que os homens, então estão menos presentes em premiações, feiras internacionais, são menos traduzidas…". Na visão do acadêmico, apenas recentemente que agentes do meio literário passaram a olhar com mais atenção para esse problema. Ele cita a seleção paritária de homens e mulheres na Flip como um exemplo desse movimento, mas sugere outras medidas. "Talvez no mercado editorial e nos prêmios literários fosse interessante estabelecer metas concretas de diversidade. Me parece que há muitas escritoras boas, mas com pouco acesso, ou acesso desigual aos meios de se consagrar".

O trabalho de Marcello ainda passa por muitas informações valiosas para diversos atores do meio editorial. Indica, por exemplo, a crescente necessidade de profissionalização dos escritores (e, nesse sentido, o impacto que os agentes literários podem trazer para o sucesso da obra), a importância de se aproximar do público e de ter uma produção mais intensa do que se esperava desses profissionais outrora.

Num dos dados mais interessantes, faz um mapa das editoras que venceram prêmios literários levando em conta distinções como APCA, Jabuti, Portugal Telecom (hoje Oceanos), Academia Brasileira de Letras, São Paulo e Biblioteca Nacional. No recorte temporal analisado por Marcello, 35% dos troféus foram para a Companhia das Letras, 28% para a Record, 5% para a Objetiva/ Alfaguara, 4% para a Cosac Naify e 3% para a Rocco, para ficarmos apenas nas que mais faturaram.

Quem acompanha o mercado editorial de perto, deve ter notado que o levantamento de Marcello se assemelha, dialoga e complementa o trabalho feito pela professora de literatura brasileira da Universidade de Brasília Regina Dalcastagnè na pesquisa "Personagens do Romance Brasileiro Contemporâneo". Em sua investigação, Regina constatou que durante décadas o perfil do romancista brasileiro se manteve o mesmo: homem carioca ou paulista, branco e de classe média, que escreve sobre homens brancos de classe média que vivem em cidades grandes e são heterossexuais. "As diferenças mais significativas é que eu olhei para um conjunto maior e mais variado de editoras: pequenas, médias e grandes. Assim pude ver autores e autoras que ainda não alcançaram algum sucesso e logo captei bem as pedras que estão no caminho de uma trajetória literária. Além disso, fiz entrevistas mais aprofundadas com cada autor e autora", defende Marcello.

Veja alguns outros dados levantados pelo pesquisador (clique nas imagens para ampliá-las):

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.