Discurso tosco dos machões dita o tom de HQ sobre “cura gay”
Criança, Acácio do Nascimento curte brincar de boneca e ajudar sua mãe, Mara, nos afazeres domésticos. Mara não gosta muito disso, prefere que o filho jogue futebol com os outros garotos, mas não vê tanto problema nas predileções de Acacinho quanto Galdino, o pai do pequeno. Com medo de que estejam criando um homossexual, Mara e Galdino passam a acossar o filho, procurando por tratamentos para que ele se torne um homem "normal".
Acácio é o protagonista da HQ "Bendita Cura", do quadrinista Mário César dos Santos Oliveira. No primeiro volume, o leitor acompanha a infância do personagem, com o garoto tentando entender por que suas preferências causam repulsa e despertam a violência tanto de seus pais quanto de seus colegas de escola. No segundo volume, após Acácio aparentemente se enquadrar no que as pessoas ao redor dele exigem, é a vez de acompanharmos o jovem na faculdade, onde tenta suprimir suas vontades mais sinceras.
A história de Acácio é marcada pela brutalidade. Se seus pais e seus colegas foram os primeiros a lhe dar "corretivos" para que deixasse seu trejeitos homossexuais de lado, após ameaças, espancamentos e humilhações é Acácio que passa a se policiar, baixando a cabeça para a estupidez e truculência daqueles que o cercam e se sentido sempre ameaçado pela patrulha intimidadora de um suposto deus. Numa narrativa marcada pela intolerância e pelo autoritarismo de gente que vive num país à sombra da ditadura e se vê representada no discurso tosco e virulento dos homens no poder, o próprio personagem acredita que a saída para contornar os desejos pode ser a tal da "cura gay", topando um processo de lavagem cerebral semelhante ao que vemos em "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess (Aleph).
Prática com requintes medievais, a terapia de reversão sexual é repudiada por profissionais em todo o mundo e proibida em diversos países – inclusive no Brasil. No entanto, com o avançar do obscurantismo, o discurso a favor dessa violência contra membros da comunidade LGBTQ+ voltou a ser fomentado por aí. Os capítulos de "Bendita Cura", HQ infelizmente necessária, são publicados gratuitamente no Tapas, mas o primeiro volume da história já ganhou uma versão impressa graças a um financiamento coletivo. Agora, o quadrinista busca por apoio para rodar a edição física do segundo volume da narrativa.
Autor de "Bendita Cura", Mário César é um dos criadores e organizadores da Poc Con – Feira LGBTQ+ de Quadrinhos e Artes Gráficas. É o responsável pelos desenhos de livros como "Não Existem Super-Heróis na Vida Real", feito em parceria com Nick Farewell (Devir), e "Púrpura", roteirizado por Pedro Cirne (Sesi-SP). Em 2013 lançou, via vaquinha virtual, "Ciranda da Solidão" (Balão Editorial), que reúne cinco histórias protagonizadas por homossexuais.
Veja mais algumas cenas de "Bendita Cura":
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