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Leitor mais exaltado espumará de raiva com livro sobre a corrupção da JBS

Rodrigo Casarin

28/05/2019 11h01

Em muitos momentos o leitor mais exaltado espumará de raiva ao ler "Why Not" (Intrínseca), livro-reportagem da jornalista Raquel Landim que mostra como os irmãos Joesley e Wesley Batista transformaram a JBS na maior empresa de carnes do mundo apostando fortemente na relação promíscua com boa parte dos políticos mais importantes de nossa história recente. Há de tudo na narrativa que funciona como uma boa retrospectiva dos escândalos de corrupção que dominaram os noticiários brasileiros nos últimos tempos: jogo de interesses, estratagemas para tentar influenciar votações no Superior Tribunal Federal, malas de dinheiro pra lá e pra cá, notas frias, gravações secretas…

Esse último item rende alguns dos melhores momentos da obra. Joesley, o mais arrojado dos irmãos, decidiu gravar conversas com pessoas do alto escalão da República a fim de negociar uma delação premiada e atenuar a pena pelos crimes que cometeu. Precisando de provas que valessem a cabeça de gente graúda, obteve áudios comprometedores de políticos como o então senador Aécio Neves e o então presidente Michel Temer. Eram tantos os grampos que em certo momento Joesley grampeou a si mesmo: à mesa com Ricardo Saud, executivo da JBS, esqueceu de desligar o gravador e registrou a conversa comprometedora que travavam – uma patetice que funciona como alívio cômico involuntário no livro de Raquel.

Alívio bem-vindo, pois o que temos nas mais de 400 páginas é uma série de desgostos republicanos. Por mais conhecidas que sejam, as sacanagens ganham nova força ao estarem reunidas em um único volume e encaradas de uma só vez pelo leitor, deixando de ser episódios pontuais e muitas vezes espaçados para se transformar em uma única grande história de bandidagem.

Wesley, Zé Mineiro e Joesley.

História que começa licitamente em 1953, quando José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, pai de Joesley e Wesley, compra um açougue em Anápolis. Aos poucos o negócio cresce. Após Brasília ser construída, passam a abastecer o Palácio da Alvorada durante o governo de Juscelino Kubitschek, estabelecendo assim um contato com o poder que seria exacerbado décadas depois. Com os irmãos já à frente do frigorífico, durante os anos de governo petista a JBS é turbinada por empréstimos do BNDES e dá o salto de grande empresa para o gigantesco negócio que engole concorrentes no Brasil e se estabelece em países como Estados Unidos e Argentina.

Se num primeiro momento a JBS se torna uma das principais financiadoras do projeto político do PT, a partir de 2010 passa a funcionar como uma espécie de banco para o financiamento dos principais partidos políticos do país, mantendo parte considerável dos caciques mais influentes de Brasília no bolso, algo fundamental para que seus interesses fossem atendidos. Arquitetando um império, os irmãos ainda apostaram em outros mercados: celulose, calçados, setor bancário… Ironicamente, só desistiram de se tornar também empreiteiros porque ficaram surpresos ao notar como a construção civil no Brasil era sustentada pela corrupção.

Depois que os esquemas criminosos são descobertos e os negócios de Wesley e Joesley sofrem severos abalos, mais um momento que pode render desgosto especialmente ao leitor que anda numa eventual pindaíba financeira. Devendo uma grana alta para 18 bancos diferentes, os irmãos sabiam que poderiam continuar fazendo apostas para ainda ganhar alguns trocados – coisa pouca, algumas centenas  de milhões. "A JBS tinha quase R$22 bilhões em dívidas vencendo nos 12 meses seguintes. Um calote daquela magnitude reduziria em muito o lucro dos bancos. E Wesley sabia que era verdadeiro o ditado popular que diz que se você deve pouco, o problema é seu, mas, se você deve muito, o problema é do banco", registra Raquel, que realizou mais de cem entrevistas e trabalhou ao longo de dois anos nas apurações para o livro.

Leia alguns trechos de "Why Not":

Otário perfeito

"Sob pressão, Joesley vinha conversando com vários advogados criminalistas. Após o ultimato de Anselmo, reuniu-se com três renomados profissionais da área em poucos dias. A todos contou a mesma história: Wesley e ele eram inocentes e não entendiam por que estavam sendo perseguidos pelo MPF e pela PF. Nenhum dos advogados o contestou. Todos faziam eco às suas declarações e concordavam com suas mentiras. Na opinião de Joesley, eles não queriam saber a verdade porque, se perdessem a briga com a Justiça, a culpa recairia sobre o cliente, que havia mentido. O empresário achou que se tornara o otário perfeito para aquela gente. Acabaria preso e passaria anos na cadeia pagando gordos honorários. Concluiu então que precisava urgentemente fazer algo para que isso não acontecesse".

O procurador da República

"- Nós podemos falar? Não é contra a lei? [Perguntou Joesley]

Segundo o empresário, [Marcelo] Miller [ex-procurador da República] afirmou que não havia problema algum, porque entregara sua exoneração em caráter irrevogável nas mãos do procurador-geral em Brasília, no dia anterior, 23 de fevereiro de 2017.

– Mas não tem quarentena? – insistiu Joesley.

– Não, não tem – garantiu Miller.

[…]

Quando deixaram a mansão de Joesley, a caminho do carro estacionado na rua, Francisco disse a Miller que precisava colocá-lo a par, o mais rápido possível, de uma série de circunstâncias delicadas para os Batista. O procurador respondeu que não via problema em receber informações, mas que ainda não podia advogar para eles porque não tinha registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Formalmente, Miller só sairia do MPF o dia 5 de abril, mais de 40 dias depois daquele encontro. Durante esse período, ele exerceria, pelo menos nos registros públicos, um 'duplo-papel' – o de advogado dos Batista e o de procurador da República".

Gravando Temer

"Naquele instante, Joesley sentiu um frio na barriga. O empresário mantinha contato com Temer desde 2010 – antes, portanto, de ele se tornar vice-presidente da República no governo Dilma – e estivera várias vezes no Jaburu. Nunca, no entanto, participara de uma reunião no subsolo. Ouvira pelo menos de dois ministros que aquela área – onde ficavam a garagem, a sala de TV e um cinema particular – era blindada e à prova de 'grampos'. Não sabia se era verdade invenção, mas e se algum apito soasse revelando a presença do gravador de bolso de seu paletó?

O aparelho que Joesley levava consigo não era nada sofisticado. Conhecido como 'gravador espião', tratava-se de um pendrive que podia ser encontrado por R$150 na região de comércio popular de eletrônicos da Santa Ifigênia, em São Paulo. Para não ser identificado pelos detectores de metal, o pendrive era emborrachado. Também era sensível a vozes, o que, embora economizasse bateria, podia prejudicar a qualidade da gravação, provocando seguidas interrupções se um dos interlocutores falasse muito baixo, caso de Temer.

[…]

Quando chegou ao portão do palácio, o segurança nem sequer perguntou seu nome e fez sinal para que ele estacionasse no subsolo. Funcionários do Jaburu o receberam na garagem e o guiaram pela lavanderia até a área residencial. Temer o esperava com um sorriso logo na entrada. Os dois deixaram os celulares numa mesinha, como de praxe entre os políticos em Brasília para evitar grampos ou fotos, e seguiram para uma sala reservada. Não se ouviu nenhum apito que denunciasse o gravador".

Lulinha

"Joesley preferia que, em 2014, o ex-presidente Lula tivesse sido outra vez o candidato do PT. Por isso se engajou pessoalmente no movimento 'Volta, Lula', arquitetado pela senadora Marta Suplicy, então no PT. Em maio, o empresário chegou a participar de um jantar em homenagem a Lula promovido pelo casal Eleonora e Ivo Rosset, dono do grupo Rosset, da marca de lingerie Valisere. Organizado por Marta, o jantar era um pretexto para apoiar uma terceira eleição do ex-sindicalista, que compareceu acompanhado do filho Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha.

Joesley se aproximou dos dois e brincou:

– Ô, presidente, deixa eu conhecer o meu sócio – disse, às gargalhadas, referindo-se aos rumor recorrente de que Lulinha seria um sócio oculto da JBS".

Topo do mundo

"O telefonema de congratulações de Renan [Calheiros, então presidente do senado] era uma amostra da força de Joesley entre os principais caciques políticos do país. Afinal, Joesley e [Ricardo] Saud pularam na piscina durante a festa para celebrar não só o triunfo de Dilma, como também o elevado número de candidatos eleitos no primeiro e no segundo turnos cujas campanhas receberam ajuda significativa dos Batista. A 'bancada da JBS' no Congresso teria 167 deputados federais, além de 179 deputados estaduais espalhados por 23 estados. Dos governadores eleitos, 16 contaram com apoio financeiro dos irmãos. Joesley se sentia no topo do mundo, afinal, eram muitos políticos no seu 'bolso' – o custo, no entanto, havia sido alto.

No total, as empresas da J&F distribuíram, viam doações legais ou caixa dois, mais de R$500 milhões para 1.829 candidatos. Carro-chefe do grupo, a JBS transformou-se na maior doadora de campanha eleitoral do Brasil, superando bancos e empreiteiras. O montante que o frigorífico destinava oficialmente a candidatos e partidos saíra de R$12,9 milhões, em 2006, para R$65,4 milhões, em 2010, atingindo estontantes R$367 milhões em 2014, segundo os registros do Tribunal Superior Eleitoral".

Preferência por Alckmin

"Segundo pessoas do seu círculo de amizades, Joesley acompanhou de longe as eleições gerais no país, em outubro de 2018, quando foram eleitos um novo presidente, novos governadores, deputados e senadores. O candidato de sua preferência – e da maioria dos grandes empresários – era o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Joesley disse a essas fontes acreditar que só Alckmin poderia estabelecer algum tipo de acordo com os políticos, a ponto de serenar os ânimos acirrados da Operação Lava-Jato, e promover a estabilidade necessária ao mercado para a recuperação da economia no país".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.