Conde de Bolsonaro: o vilão homofóbico inspirado em nosso atual presidente
Ano de 1760. O soldado Érico Borges é enviado a Londres para investigar uma rede de contrabando de livros eróticos que começavam a cair nas mãos dos brasileiros. Na capital inglesa, enquanto se deleita com prazeres proibidos em seu país natal, acaba por cruzar o caminho de Reinaldo Olavo de Gavíria y Azevedo, o líder de uma rede de espionagem. Grande vilão de "Homens Elegantes" (Rocco), romance publicado pelo gaúcho Samir Machado de Machado em 2016, não é por acaso que o homofóbico Reinaldo Olavo é mais conhecido como "conde de Bolsonaro".
"Eu tinha a ideia de escrever uma história de aventura de capa e espada, que fosse uma cruza de James Bond com Barry Lyndon [de 'As Memórias de Barry Lyndon', romance de William Thackeray levado ao cinema por Stanley Kubrick]. Érico Borges, meu protagonista, seria o herói que desbarata uma conspiração, derrota o vilão e salva o dia, a única diferença seria ele ser gay. Além de questões circunstanciais que isso traria naturalmente à trama, ao final ele ficaria com o padeiro parrudo ao invés da mocinha", conta Samir. Em busca de um antagonista que tivesse um plano "megalomaníaco e absurdo" em mente, pareceu-lhe bastante adequado que, tendo um herói homossexual, o vilão fosse ainda homofóbico. Assim que o título de nobreza pelo qual Reinaldo Olavo é tratado veio à mente do escritor.
Autor também de "Quatro Soldados" (Rocco) e "Tupinilândia" (Todavia), em 2013, quando Samir delineou a trama de "Homens Elegantes", Jair Bolsonaro, então um deputado do baixo clero, arrumava espaço na mídia e ganhava projeção entre os brasileiros por conta de suas declarações. "A figura política do mundo real não era mais que um ex-militar de carreira medíocre que se destacava na política havia anos por, justamente, se declarar 'homofóbico sim, e com orgulho', nas palavras do próprio", recorda o escritor, que, conta, buscou explorar no romance a conexão direta entre o "conservadorismo reacionário" do Brasil atual com a reação contrária ao Iluminismo que aconteceu no século 18.
"No meu livro, o vilão é tão movido pelo sentimento de ódio que, 'aos olhos de quem vê o outro como inferior, que este tenha os mesmos direitos não é visto como igualdade, mas como privilégio, pois diminui a noção que tem de si próprio ver-se igualado com o que mais despreza'. Enquanto anda pela Londres de 1761, Érico Borges vai encontrando no caminho panfletos de ódio contra mulheres, pobres, negros e 'sodomitas'. No livro, os textos foram construídos mesclando folhetos sectários do século 18 com textos escritos por figuras conservadoras da imprensa brasileira dos anos 2010".
Olhando para o plano megalomaníaco que imaginou para seu vilão, Samir indica que a realidade já deu conta de superar ou ao menos se aproximar daquele elemento ficcional que nasceu aparentemente distante de nossa realidade. Em "Homens Elegantes", conde de Bolsonaro pretende espalhar a pornografia pelo Brasil para corromper a moral pública e atrair a ira divina. "Era tão absurdo que, pensei eu, só poderia funcionar no século 18. Mas isso foi antes do terraplanismo virar moda, ou do nosso presidente espalhar um vídeo pornográfico de golden shower no Twitter. Meu Bolsonaro fictício já espalhava pornografia no Brasil um bom tempo antes".
Samir relata que, até aqui, a reação do público ao seu vilão tem sido positiva – "alguns gargalham quando veem o nome do personagem, o que funciona como teste de sanidade, atualmente" – e que, inicialmente, não imaginou que aquele político falastrão que lhe serviu de inspiração poderia se transformar em presidente da República. "Até certo momento, achei que seria francamente impossível uma figura tão caricata e despreparada chegar tão longe. Mas, claro, não previ o efeito da propagação de notícias falsas nas correntes de WhatsApp. Isso foi até o momento em que vi pessoas que até então considerava sensatas e lúcidas endossando os absurdos mais descabelados, como as paranoias de Ursal, kit gay e mamadeira de piroca".
E o que sentiu quando viu o Bolsonaro real chegando à presidência? O que tem achado dos primeiros meses de governo? "Uma vez vi um acidente de automóvel ocorrer bem na minha frente, e a lembrança que tenho até hoje é de como, nessas horas, por mais rápido que a coisa ocorra, tudo parece acontecer em câmera lenta. Quanto aos primeiros meses, bem, só posso dizer que não é coincidência que aqueles que dizem ser os mais patriotas, de cantar hino e se enrolar na bandeira nacional, sejam também os que mais desprezam os elementos da cultura nacional que são a própria definição da identidade que os hinos e bandeiras simbolizam. A história está cheia de exemplos de lideranças dispostas a destruir tudo para reinar sobre cinzas".
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