Higiênica, Executiva, Sexuada… os tipos de mãe que fazem mal aos filhos
Quem acompanha o Página Cinco há algum tempo sabe que a discussão sobre todos os mitos e as pressões sociais que existem a respeito da paternidade e, sobretudo, da maternidade me interessam bastante. Acho surreal como muita gente por aí costuma tratar pessoas que optam por não ter filhos quase que como párias. Por outro lado, aqueles que resolvem procriar – isso quando é mesmo uma resolução, não um acidente que descamba num pequeno ser que chora – raramente têm sua certeza confrontada. Pois deveriam. Já elenquei aqui títulos que todos os que sonham em ser pai ou mãe precisariam ler. Depois a relação ganhou um manifesto assinado pela chilena Lina Meruane. Agora, um novo livro para a reflexiva lista: "Mães que Fazem Mal", de Silvia Lobo (Pasavento).
Silvia é psicanalista e socióloga. Com a linha de pesquisa pautada pelo trabalho do também psicanalista Donald Winnicott, apoiou-se em estudos e relatos de casos que acompanhou em seu consultório em São Paulo para questionar máximas relacionadas à maternidade e mostrar como, mesmo involuntariamente, muitas mães acabam fazendo algum mal a seus filhos. Dentre as ponderações um tanto óbvias, vale ressaltar que essas mães não se limitam aos aspectos problemáticos e também grifar que causar o mal é diferente de ser má ou fazer deliberadamente o mal.
Num ambiente que tolhe as mães de mostrar dúvidas ou insatisfações com relação aos seus rebentos, o que temos são, em muitos casos, mulheres e crianças tornando-se uma coisa única aos olhos alheios. "Fazemos parte de uma cultura que tem dificuldades em ver as mães como seres humanos que existem separadas e fora da relação com os filhos; uma cultura que estrutura essa relação dirigindo a atenção para a criança, sem supor que a mãe exista como alguém com suas próprias necessidades e desejos". Assim, quando arrependidas, o mais comum é que as mulheres omitam isso de quem está ao seu redor e passem a viver "sem rosto ou com um rosto oculto […], encobertas por uma máscara"
A autora lembra que estamos numa época em que, enfim, a mitificação do amor materno começa a lentamente ser desfeita. Apesar disso, "mães que se mostram desorientadas, insatisfeitas e desiludidas sofrem censura e condenação. Falar que não quer ser mãe, que não gostaria de ser mãe ou, pior ainda, dizer que não gostaria de ter sido mãe, é indecente e indica alguma patologia". Entre a imposição cultural e os reais desejos, entre o caminhar próprio e a tentativa de atender os anseios da sociedade, no inevitável e paulatino processo de aprendizado que é a maternidade, mães podem adotar diferentes posturas que, de alguma forma, acabam causando prejuízos a seus filhos. Veja os 12 tipos de mães que fazem mal elencados por Lobo:
Higiênica: são "corretas, asseadas, dedicadas, muitas vezes assexuadas, estabelecidas no lar", preparam-se para dedicar a vida aos pequenos. "Abdicam de si no cumprimento de um dever que as eleva e pelo qual serão recompensadas", só não sabem por quem. Acabam tendo um olhar materno "proibitivo, inibidor e esterilizador", que muitas vezes ataca a sexualidade da criança.
Executiva: acham que ser mãe é ter uma meta a ser executada com sucesso e acreditam que "a criação e a educação de um filho podem ser feitas com base em metodologias aprendidas como técnicas ensinadas para o sucesso em funções profissionais". Dispensam a emoção e apostam em gestos mecânicos. Acabam gerando filhos dependentes, que possuem a competência abalada.
Imobilizadora: o filho sorriu? Repreende. Gritou? Repreende. Chorou? Aí que repreende mesmo. "A mãe imobilizadora traz como marca o ataque à alegria".
Sofredora: são aquelas que demonstram e falam do seu sofrimento, normalmente se queixando do casamento e do rebento. São mulheres que "na decepção com o desenrolar de suas vidas procriaram com ódio e desrespeito". Atacam o prazer e a felicidade de seus filhos.
Litigiosa: são as "mães empenhadas na busca da cópia de si mesmas, de sua duplicação. Impedem ativamente que o crescimento dos filhos seja um caminho de autonomia e aprendizado" e sentem vergonha quando a criança não é exatamente aquilo que deseja, abalando a "segurança do ser".
Eliminadora: parecida com a litigiosa, não aceita nada além daquilo que espera do rebento, mas acaba criticando ou ignorando aqueles que não cumprem rigorosamente suas expectativas. No livro, Lobo traz o exemplo de Ana, que não tinha nem foto na parede da casa de sua mãe porque, diferente do restante da família, não era alta e morena como a progenitora gostaria que fosse, além de não ter nascido menino, como esperavam que acontecesse. Aqui o ataque é à diferença.
Pragmática: "Mães que exercem uma pressão crítica permanente sobre os filhos em suas manifestações afetivas mais sensíveis ou apaixonadas. Mulheres para quem a vida mental é um estorvo e que procuram ensinar com eficiência que a subjetividade é o campo do ridículo e do absurdo. Evitá-lo, ignorá-lo, suprimi-lo, se possível, é o esperado". Resultado? Um ataque constante à sensibilidade.
Invasiva: acha que o filho a ela pertence, detendo até a "fantasia de se manter fundida ao corpo" da criança, numa atitude que traz abalos à sensualidade.
Sexuada: "expõe o próprio corpo sem pudor, considerando o filho ou a filha seres que a rodeiam sem sangue nas veias […], sem desejo, sem afetos sensualizados, destituídas de sensações transgressivas e perturbadoras […], como anjos, superficiais em seus interesses e passivas na relação com as pessoas e a vida", escreve a autora, que prossegue: "A mãe sexuada retira dos filhos a subjetividade e os trata como se não sentissem embaraço frente a nudez, às carícias e à exposição da sexualidade adulta, na qual o erotismo substitui a ternura".
Adultizadora: trata os filhos desde sempre como adultos, gerando rebentos "defensivamente precoces, dotados de falsa sabedoria, sobrecarregados por impasses" – ou seja, geram aquelas insuportáveis crianças que parecem miniaturas de homens de negócio. O ataque é à afetividade.
Desafetada: manifestar amor não é com ela, seja por realmente não ter tal sentimento, seja por ter, mas não conseguir demonstrá-lo, prejudicando a individualidade da criança.
Mãe misturada: acham que os rebentos são sua propriedade, "não conseguem tomar distância da realidade dos filhos […], interferem, invadem, desapropriam e se apropriam do que não lhes diz respeito, convictas de que fazem o bem".
Ao longo da obra, no entanto, o tom é de reflexão, não de dedo apontado na cara dos mais diversos tipos de mães. Afinal, como registra Lobo, "não existe nada de novo quanto ao fato de os pais hesitarem ao procurar acertar em relação aos seus filhos. Novo é o fato de terem se tornado muito receoso de errar".
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