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Zuenir Ventura: Chico Mendes é um mártir; ministro seria reprovado no Enem

Rodrigo Casarin

14/02/2019 10h36

Na última segunda-feira, no programa Roda Viva, da TV Cultura, Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente, disparou: "Chico Mendes é irrelevante. Que diferença faz quem é o Chico Mendes neste momento?". Na sequência, complementou: "Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião". Segundo Zuenir Ventura, o ministro demonstra grande ignorância sobre o assunto. "Mesmo evitando polêmica, o vice-presidente [Hamilton Mourão] deu uma lição a seu subordinado ao dizer que Chico Mendes faz parte da história do Brasil na defesa do meio ambiente. Ele é um mártir, pode-se acrescentar, o protomártir da causa ambiental. Esse ministro seria reprovado no exame do Enem", diz na entrevista abaixo.

Aos 87 anos, Zuenir não é apenas um dos jornalistas e escritores mais experientes do país, autor de obras como "1968: O Ano que Não Terminou" (Objetiva), mas alguém que conhece profundamente a história do ativista ambiental que lutou pela preservação da floresta amazônica e foi assassinado no final de 1988, em Xapuri, no Acre. No começo de 1989, Zuenir rumou para o estado e se embrenhou na mata para produzir uma série de reportagens sobre o assassinato de Mendes, num trabalho lhe valeu o Prêmio Esso de Jornalismo. Década e meia depois, o repórter retornou ao lugar para realizar uma grande reportagem sobre as pessoas que seguiam vivendo na floresta. Todo esse material foi reunido no livro "Chico Mendes – Crime e Castigo", publicado pela Companhia das Letras.

Eis a entrevista que o autor concedeu há pouco ao Página Cinco:

Ricardo Salles, atual ministro do Meio Ambiente, disse em entrevista ao Roda Viva na última segunda-feira: "Chico Mendes é irrelevante. Que diferença faz quem é o Chico Mendes neste momento?". Como autor de "Crime e Castigo", de que maneira você recebeu essas palavras?

Recebi com espanto e indignação porque são palavras de elogio à ignorância. Uns têm a arrogância do saber; outros têm a da ignorância. Ele afirmou também não conhecer o líder seringueiro que dá nome ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) que está sob a responsabilidade dele, ministro. Pode? Mesmo evitando polêmica, o vice-presidente [Hamilton Mourão] deu uma lição a seu subordinado ao dizer que Chico Mendes faz parte da história do Brasil na defesa do meio ambiente. Ele é um mártir, pode-se acrescentar, o protomártir da causa ambiental. Esse ministro seria reprovado no exame do Enem.

Qual é a relevância que a história de Chico Mendes tem ou pode ter neste momento que o país está vivendo?

Nesse momento de intempéries, em que o país e o mundo estão sendo atingidos por tantas tragédias ambientais, a luta e as ideias de Chico Mendes são cada vez mais atuais.

No mesmo momento da entrevista, o Ministro diz que, pelo que ouve de pessoas do agronegócio, "Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião". Há algum sentido nessa afirmação?

É uma leviandade repetir as infâmias espalhadas pelos inimigos de Chico, herdeiros políticos dos que o assassinaram. Como ousar dizer que quem morreu pobre e deu a vida por uma causa se beneficiou dela?

Para quem ignora a trajetória e a luta de Chico Mendes, você poderia resumi-la em poucas palavras?

Chico Mendes ficou famoso e respeitado por ter desenvolvido à frente dos seringueiros táticas pacíficas de resistência contra a ação violenta de latifundiários, madeireiros e dos projetos agropecuários que viviam da derrubada da floresta, procurando substituí-la pelo pasto. A estratégia era expulsar posseiros e índios e instalar seus rebanhos nas terras devastadas pelo fogo. Por sua luta, Chico conquistou a admiração do mundo. O New York Times o considerou um "símbolo de todo o planeta" e a ONU o premiou com o Global 500. Mas ele precisou morrer para ser reconhecido em seu país como um personagem trágico que anunciou a própria morte. Matar o Chico foi mais fácil do que fazer o mesmo com suas ideias. Não será um ministro irrelevante que irá conseguir.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.