Topo

Pela paz e contra o pedantismo: Brasil precisa de amigos como Jorge Amado

Rodrigo Casarin

22/01/2019 10h30

"Às vezes penso que sua grande luta, a luta de toda sua vida, foi mesmo contra o pedantismo".

Assim ponderava o escritor e crítico literário Eduardo Portella sobre Jorge Amado. A frase está oportunamente registrada na biografia do autor de "Capitães da Areia" escrita pela jornalista Joselia Aguiar e lançada pela Todavia no final do ano passado. O volume de 640 páginas é o resultado de um trabalho de sete anos que faz jus tanto à história de vida quanto à intimidade com as palavras de um dos maiores escritores brasileiros.

Olhando para a trajetória de Amado, um panorama do mercado editorial nacional e da política global no século 20 se desenha. O baiano estreou com "O País do Carnaval" em 1931 e passou anos pagando as contas com o que ganhava escrevendo para diversos veículos da imprensa. Enquanto cuidava de fomentar a carreira de escritor, embrenhava-se no jogo político em um Brasil já então rachado, o que o levou para temporadas na prisão o obrigou a viver durante um bom tempo no exterior.

Aliando o texto às convicções comunistas, apostou na própria literatura como uma ferramenta de panfletagem numa fase em que surgem títulos como "O Cavaleiro da Esperança", apontado como uma hagiografia do líder comunista Luís Carlos Prestes, e "Os Subterrâneos da Liberdade", cuja versão final precisou passar pela benção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que reclamou do excesso de sexo. Já maduro, abriu mão da politicagem descarada para privilegiar a contação de grandes histórias e entregou ao público "Gabriela, Cravo e Canela", "Tieta do Agreste" e "Tocaia Grande", dentre outros.

Ao mesmo tempo em que Amado atingia um público cada vez maior, brotavam picuinhas com outros escritores e parte da academia virava a cara para a literatura que fazia. Quando morreu, em 2001, aos 88 anos, estava traduzido para 49 idiomas e "pelos cálculos da imprensa", relata Joselia, tinha vendido 21 milhões de exemplares no Brasil e 80 milhões em todo o mundo. Em seu obituário, o New York Times o chamou de "o Pelé da literatura". No entanto, diversos críticos nacionais o viam como um mero contador de histórias, alguém que por privilegiar a narrativa em detrimento de malabarismos com a linguagem seria um escritor menor, numa análise que evidencia muito do pedantismo mencionado por Portella e que o autor tanto se dedicou a combater.

Pessoas pedantes costumam se achar as donas da verdade e raramente confrontam suas convicções, sabemos. Então, no campo da política a trajetória de Jorge Amado também pode ser encarada como uma manifestação contrária ao pedantismo. Grande entusiasta da Revolução Russa e deputado federal pelo PCB – a lei que garante a liberdade religiosa no país, de 1946, é do escritor , a vivência na Europa e notícias que depois chegavam fizeram com que Jorge passasse a questionar se o que vinha da União Soviética era mesmo o que gostaria de ver em todo mundo.

Casos de perseguições políticas, espionagens, caguetagens, torturas e assassinatos que ocorreram enquanto a República Tcheca – ainda em sua época de Tchecoslováquia – lutava por um comunismo menos quadrado que o de Moscou e mais aberto ao mundo foram decisivos para que o escritor repensasse sua posição e se transformasse num crítico do que acontecia do seu próprio lado da trincheira. Sempre refutando a violência, mas sem nunca deixar de demonstrar preocupações pelos desfavorecidos e defender questões sociais, com o passar dos anos Jorge abriu mão da intransigência e trilhou um caminho em busca da razoabilidade política que parece nos faltar.

Nesse movimento, aliás, fez certas amizades que soam difíceis de engolir. Precisava mesmo alguém do tamanho de Jorge acolher Antônio Carlos Magalhães e sair em defesa pública de José Sarney? Em todo caso, se te uma outra coisa que "Jorge Amado – Uma Biografia" comprova é que dentre as principais virtudes do baiano estava justamente o talento para construir e manter grandes amizades. Costumava repetir aqui e ali um provérbio russo: "Só se vive de verdade o tempo que se dedica à amizade".

Contrário ao pedantismo, pacifista, contador de boas histórias, disposto a repensar suas próprias convicções… Cheguei ao final do livro de Joselia querendo ter sido amigo de Jorge. Aliás, acho que o próprio Brasil anda precisando de amigos como ele.

Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter, pelo Facebook e pelo Instagram.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.