Tortura inspirada em Jesus: a perseguição dos nazistas a padres católicos
Entre 1938 e 1945, 2.720 sacerdotes, monges e seminaristas de diversos cantos da Europa foram enviados para o campo de concentração de Dachau, localizado na Baviera, a poucos quilômetros de Munique. Ali, 1.034 pessoas diretamente ligadas às bases da Igreja Católica morreram nas mãos dos nazistas, transformando o lugar no maior centro de extermínio de padres do mundo.
"Jamais, ao longo da história, nem mesmo nos piores momentos do Terror francês ou da perseguição comunista, tantos sacerdotes, religiosos e seminaristas foram assinados em um espaço tão restrito", registra o jornalista e historiador francês Guillaume Zeller, autor de "O Pavilhão dos Padres" (Contexto), que resgata histórias, muitas delas macabras, dos religiosos em Dachau.
Esses homens da igreja eram enviados para Dachau acusados de serem hostis com os alemães – o que exigia medidas que "protegessem" os capangas de Hitler – e de se oporem declaradamente ao nazismo. Foi esse o caso de Otto Neururer, que orientou uma jovem a não casar com um militar germânico 30 anos mais velho do que ela e acabou preso em dezembro de 1938 por "profanação do casamento germânico". No entanto, fica claro que o principal objetivo dessas detenções era, conforme a Alemanha invadia países vizinhos, desestabilizar comunidades tradicionais que tinham a Igreja e, mais do que isso, os líderes religiosos, como pilares de sua organização.
Quando chegavam no campo de concentração, os religiosos precisavam entregar todos seus objetos sagrados, como bíblias, missais, medalhas e rosários. Em seguida, a humilhação destinada a qualquer pessoa presa pelos nazistas. "Totalmente despidos, são barbeados da cabeça ao púbis, inclusive as axilas, com navalhas rudimentares que arrancam os cabelos e os pelos. Outros prisioneiros são então encarregados de os besuntar com cresol, um desinfetante poderoso. Nas mucosas genitais e nas zonas que acabam de ser raspadas, esse produto provoca fortes queimaduras que levam os homens a se curvar de dor. A sessão termina com um banho de chuveiro coletivo – com água fervente ou glacial", registra o autor. Na sequência, recebiam farrapos para se vestir e o triângulo vermelho, mesmo símbolo utilizado para identificar os políticos presos.
Não é novidade para ninguém as atrocidades que os nazistas cometiam, mas isso não quer dizer que elas não continuem sendo impressionantes e repugnantes, como neste trecho: "Quando a morte acontecia durante a madrugada, ou em períodos de quarentena, era comum deixar ou empilhar os corpos nos sanitários, enquanto se esperava que fossem recolhidos. Não era raro, portanto, que os prisioneiros fizessem suas rápidas abluções matinais diante dos corpos inertes dos companheiros".
A crueldade dos capangas de Hitler fazia com que o jesuíta tcheco Alois Kolacek, por exemplo, detido em 1940, adquirisse o hábito de recitar mentalmente orações de exorcismo sempre que via certos guardas entrando em seu pavilhão. Em outro momento chocante do livro, Zeller registra a história de um capuchinho que descumpriu o regulamento imposto no campo de concentração e por isso foi levado à "estaca da tortura", onde foi pendurado e obrigado a recitar liturgias enquanto era massacrado e humilhado por seu torturador. Com outro prisioneiro, a tortura foi diretamente inspirada na própria trajetória de Jesus Cristo:
"Um dos casos mais dramáticos de violência diz respeito ao padre Andreas Rieser, sacerdote tirolês forçado por um SS a fabricar uma coroa de arame farpado e a usá-la. Prisioneiros judeus intimados pelo guarda devem dançar ao redor dele, golpeá-lo e cuspir nele […]. Ainda coroado pelo diadema sangrento, o padre Rieser recebe a ordem de empurrar um pesado carrinho de mão pelo campo durante o dia inteiro".
Sabendo da perseguição aos padres, o Vaticano chegou a pedir às autoridades alemãs permissão para que um monsenhor levasse livros de oração e celebrasse uma missa com os confinados. Diante da recusa, ainda solicitaram para que ao menos os católicos presos pudessem celebrar missas entre si e que, depois de mortos, não fossem cremados, mas enterrados. Vale lembrar que as ideias totalitárias que descambaram no Holocausto ascenderam com considerável leniência e certo apoio da própria Igreja Católica; a relação do Papa Pio XI com Benito Mussolini e seus homens está muito bem registrada no ótimo "O Papa e Mussolini" (Intrínseca), de David Kertzer, um dos vencedores do Prêmio Pulitzer de 2015.
Apoiado em uma vasta bibliografia que inclui testemunhos de diversos sobreviventes de Dachau, "O Pavilhão dos Padres" passa longe de brilhar pela linguagem, mas merece atenção por apresentar ao leitor mais uma camada da barbárie cometida por Hitler e seus homens.
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