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Cerveja de banana? Vinho de caju? Conheça algumas bebidas africanas

Rodrigo Casarin

28/07/2018 11h27

O katemba degustado. Foto: Charles Trigueiro.

Katemba, conhece? Não, né!? Nem eu. Ou melhor, não conhecia. Trata-se de uma bebida que nasceu nas periferias angolanas. Eis a receita do chef Daniel Malzoni: 75ml de lambrusco, 50ml de água com gás, um pouco do sumo do limão e uma rodela da fruta. Como praticamente todo drink popular, há variações na fórmula. Quer usar outro vinho com algum dulçor? Sem dramas. A água com gás também pode ser substituída por uma tonificada; o limão, por outra fruta cítrica. Em sua versão escura, o vinho é tinto, enquanto o refrigerante é de cola.

Experimentei katemba na Flip deste ano, na tenda – enorme – que a EDP montou "do lado de lá" do rio, onde promoveu festas temáticas inspiradas na cultura de alguns países lusófonos. É interessante como o evento, de alguma forma, tem me apresentado um pouco da cultura etílica da África. Da edição do ano passado, voltei para São Paulo com uma vontade enorme de conhecer o trabalho de Scholastique Mukasonga, autora de "A Mulher de Pés Descalços" e "Nossa Senhora do Nilo". Pelos atropelos do dia a dia, só fui conseguir lê-la há algumas semanas, durante a Copa, quando coloquei as mãos em "Baratas" (Nós), narrativa autobiográfica que mostra como os tutsis foram por décadas perseguidos em Ruanda, revelando o que descambou no genocídio de 1994.

Já tinha ouvido falar sobre a cerveja de sorgo, tradicional em certos países africanos, mas foi em "Baratas" que conheci o urwarwa, a cerveja de banana servida em celebrações familiares e comunitárias relatadas por Mukasonga – sim, há momentos de alegria mesmo em um livro que conduz o leitor a uma das maiores tragédias de nossos tempos. Veja um pouco do que a autora escreve sobre a iguaria:

"Produzir o urwarwa era um acontecimento; levava tempo, era necessária a cooperação da família toda, e até do vizinho. Eram dias de festa. Como se sabe, as bananas que servem para fabricação do urwarwa não amadurecem nas bananeiras; são levadas a amadurecer nas grandes covas cavadas no bananal. No fundo da cova, é feito um leito de folhas de bananeira bem secas, e ali se põe fogo".

Na sequência, ao longo de algumas páginas, a autora descreve todo o processo de fabricação da bebida até chegar, enfim, no momento de tomá-la: "Ainda é preciso filtrar, passar para jarras menores; umas serão vendidas e outras serão bebidas com os vizinhos. Tudo isso acontece à noite, e o vaivém agitado dos lampiões previne a vizinhança que acorre para apreciar, como especialista, o resultado dos procedimentos. Meu pai, que cambaleia por ter experimentado, está orgulhoso de sua obra: o melhor urwarwa da aldeia!".

O mesmo aconteceu ao ler "Caderno de Memórias Coloniais" (Todavia), de Isabela Figueiredo, uma das convidadas da Flip deste ano. Na obra, a autora portuguesa que nasceu em Moçambique numa época em que seu pai trabalhava no país africano, repassa suas memórias para falar sobre as diversas formas de violência do colonialismo. Em meio a essas recordações há o vinho de caju, outra bebida da qual jamais tinha ouvido falar. Fermentado, servia para os momentos de alegria dos negros:

"O vinho era branco turvo. Era um vinho sujo; flutuavam pedaços de fibra e casca de fruta. Era fermentado em garrafas de cerveja Laurentina, das grandes, ou 2M, das grandes; bazucas, valentes. O caju torcia-se como a um esfregão e deixava um sumo áspero e doce, leitoso, que fazia os negros felizes. Sim, ao domingo à tarde os negros eram felizes com o seu vinho de caju. Ao domingo à tarde os negros não eram negros, eram nada; eram como os patrões brancos, felizes, e podiam rir e foder, cantar, cair e dormir. Aos domingos à tarde os negros eram quase brancos entre si".

Até por conta da influência que a fermentação – e seu universo de possibilidades – tem em qualquer bebida que passa por esse processo, difícil imaginar o sabor do urwarwa ou do vinho de caju. Mas pelo menos o katemba, na versão de Malzoni, eu tomei, servido no estande da EDP na Flip. Era suave, parecendo uma caipirinha bastante diluída, levemente gaseificada e com um interessante final, que fazia com que recordássemos da presença do lambrusco no drink.

Quem me falou um pouco mais sobre a bebida foi Vinícius Terra, rapper que mostra a relação entre países de língua portuguesa por meio de sua música e foi apresentado ao katemba pelo produtor musical do Buraka Som Sistema. "É uma bebida servida em confraternizações, pensada para ser refrescante mesmo. Ele é recente, aparece com a colonização portuguesa em Angola, e é sempre feita com o vinho branco mais barato que o pessoal encontra".

Katemba, urwarwa, vinho de caju… A Flip também é cultura etílica.

Viajei a Paraty a convite da EDP Brasil.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.