A. Crowley: a “Grande Besta 666” que influenciou de Raul Seixas aos Beatles
"Faça o que tu queres pois é tudo da lei".
Ao cantar esse verso na música Sociedade Alternativa, Raul Seixas não estava simplesmente ecoando pensamentos libertários, mas reproduzindo, de maneira adaptada, umas das ideias de Aleister Crowley, ocultista que foi uma de suas influências. E o controverso homem que nasceu em 1875, na Inglaterra, e morreu em 1947 serviu de referência a diversos outros grandes nomes da cultura Pop. Paulo Coelho não apenas bebeu na fonte de Crowley, mas o apresentou ao seu então parceiro Raul. O guru também aparece na capa de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, para muitos o disco mais importante dos Beatles, e impactou na vida e na obra de gente como David Bowie, Fernando Pessoa e Alan Moore.
Mas quem foi exatamente Crowley? Um breve resumo de sua vida mostra que a resposta pata tal questão não é exatamente fácil:
"A vida de Aleister Crowley foi um drama de época vitoriano/eduardiano. Tem viagens para terras exóticas, de Xangai, Índia e da Caxemira à Argélia, ao Egito e São Petersburgo, até os Estados Unidos e o México. Seu elenco de personagens inclui William Butler Yeats, Somerset Maugham e Auguste Rodin nos primeiros anos e depois Aldous Huxley, Alfred Adler e Ernest Hemingway. E o que esse cara não fez? Foi poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo. Foi alpinista que estabeleceu recordes em vários continentes, estando entre os primeiros a colocar os pés no Himalaia. Foi pintor. Foi ocultista praticante, e o líder de duas sociedades secretas, e o profeta de uma filosofia espiritual pertinente ainda hoje: 'Faze o que tu queres, há de ser o todo da Lei'. Foi à paisana para Nova York lutar contra a máquina de propaganda alemã durante a Primeira Guerra Mundial. Experimentou drogas. Teve dramas sexuais e de relacionamentos suficientes para envergonhas qualquer romance erótico. E do mesmo modo que os tabloides hoje publicam infinitamente reportagens grosseiras e duvidosas sobre a família real, Crowley foi o bode expiatório favorito da imprensa sensacionalista de seus dias. Seja o que for que se pense a respeito das ideias de Crowley, a vida dele foi indiscutivelmente épica".
HQ biográfica
É esse o apanhado que Richard Kaczynski, biógrafo do ocultista, autor de "Perdurabo", faz sobre a figura. As palavras estão em "Aleister Crowley", graphic novel de Martin Hayes e RH Stewart que a Veneta acaba de lançar por aqui em parceria com o selo Chave, que no final de 2017 já tinha publicado "O Livro da Lei", uma das principais obras do guru e de onde Raul tirou a frase que abre esta matéria. Com uma opção narrativa um tanto batida – Crowley dando uma entrevista na qual revisita sua vida – e sem grande aprofundamento da história nos próprios quadrinhos (algo contornado com um respeitoso calhamaço de anotações que embasam as cenas da obra, mas que é impreciso nas localizações das páginas), a HQ biográfica se mostra interessante por dar um bom panorama da trajetória do influente líder espiritual.
Crowley cresceu numa casa onde o único livro permitido era a "Bíblia", lida pela família todos os dias pela manhã. Com uma infância cheia de doenças, sua mãe chegou a lhe chamar de "besta" – realmente acreditava que sele seria a encarnação do anticristo -, persona que resolveu adotar. "Foi nessa época que descobri alguns prazeres que não eram adequados para um rapaz de boa família", registra o personagem. Curioso, em certo momento Crowley decidiu averiguar se um gato realmente tinha nove vidas e colocou em prática o seu lado "besta". Pegou um bichano e o torturou sobremaneira, uma carnificina em nove etapas distintas, até que o pequeno felino ficasse "bem morto" (há detalhes mais sórdidos na quarta imagem ao final do texto).
Com esse espírito que, adulto, passou a investigar o suposto lado oculto da existência e a buscar por contatos com seres metafísicos, o que às vezes resultava, garante, em consequências drásticas, como um homem que era abstêmio há 20 anos voltando a beber e, embriagado, tentando matar a mulher e seus filhos. "Você percebe que Mágicka [uma forma de ritual] é algo que fazemos a nós mesmos. É mais conveniente presumir a existência objetiva de um Anjo que nos dá novo conhecimento do que afirmar que nossa invocação despertou poderes sobrenaturais dentro de nós mesmos", chegou a afirmar.
A Grande Besta 666
Como Kaczynski elencou, a existência de Crowley foi múltipla, mas aqui, tal qual a HQ, foco no lado ocultista por ter sido essa a faceta que tanto influenciou nomes importantes de gerações futuras. Foi por meio desses experimentos com o sobrenatural que diz ter recebido de Aiwass, seu anjo sagrado, o que seria o "Livro da Lei", que serviria de norte para a Thelema, religião da qual o ocultista acreditava ser o profeta de uma nova era.
Crowley também integrou sociedades secretas como a Ordem Hermética da Aurora Dourada, foi acusado de construir templos de luxúria, cometer excessos de libertinagem, ser um louco por drogas, de corromper crianças e de ser alguém cuja desonestidade só era superada pela indecência. Em certo momento, passou a ser tratado por jornalistas ingleses como "o homem mais perverso do mundo". Dentre outras passagens excêntricas de sua vida, em certo momento ganhou dinheiro vendendo um elixir em pílulas feito com calcário, açúcar, goma arábica e seu próprio sêmen.
Após apresentar a jornada espiritual de Crowley e seus diversos encontros com anjos, demônios e espíritos, a HQ, já em suas páginas finais, mostra a representação do ocultista fazendo um oportuno apanhado de sua própria trajetória:
"Eu queria elevar a humanidade a novos patamares de consciência, novos patamares de conhecimento […]. Faze o que tu queres, há de ser todo da lei… […] mas eles entenderam mal… pensaram que significava que qualquer tipo de comportamento era permissível, uma licença para o hedonismo e crueldade, quando o que quis dizer era tão mais profundo… Faze o que tu queres, há de ser todo da lei… Apenas quando encontram sua verdadeira vocação podem atingir seu verdadeiro potencial, podem ser verdadeiramente unidos ao universo. Quantos gênios musicais desperdiçam suas vidas no trabalho duro, cavando valetas porque lhes deram uma pá em vez de um violino?".
Após a argumentação, o personagem Crowley delineia seu mea-culpa. "Usei vários nomes, alguns mais virtuosos que outros. Fui A Grande Besta 666, Baphomet, Perdurabo, o Espírito da Solitude, o Errante do Deserto. Fiz muitas coisas egoístas e causei dor a um número não revelado de pessoas. Mas eu sempre quis apenas fazer o bem para a humanidade, era minha missão na vida… E meu fardo… Ser o ajudante do homem".
Veja algumas páginas da HQ (clique nas imagens para ampliá-las):
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