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Saiba quem foi Mona Lisa, a mulher possivelmente retratada por Da Vinci

Rodrigo Casarin

06/04/2018 06h00

Ao questionar um historiador de arte se a homossexualidade de Leonardo Da Vinci fez alguma diferença em sua obra, a jornalista Dianne Hales ouviu uma resposta que lhe surpreendeu: "Pode ter tido a sua importância em um retrato como a Mona Lisa. Aos olhos de Leonardo, ela não era alguém que devia ser desejada. Ele a olhou de uma forma diferente dos outros homens. Esta pode ter sido a razão pela qual ele viu – e pintou – Lisa Gherardini não como um objeto ou como um ideal, mas como um ser humano completo".

Como a jornalista, eu – que passo longe de ser um grande conhecedor de artes plásticas – também fiquei estupefato com a análise feita pelo historiador. Essa, aliás, foi uma das partes que mais me surpreendeu ao ler "Mona Lisa – A Mulher por Trás do Quadro", livro de Dianne publicado por aqui há pouco pela José Olympio.

São muitas as suposições de quem seria a moça de olhar plácido eternizada no quadro do gênio do Renascimento. Há quem acredite que era uma duquesa, uma marquesa, uma condessa, alguma cortesã… Há quem acredite que a obra é uma mera transcrição de equações e algorítimos ou uma representação da Deusa Ísis. Defendem até que se trata de um retrato transgênero do próprio Da Vinci ou uma representação de Salaì, o amante do pintor. Dianne, por sua vez, parte da premissa de que a modelo representada é Lisa Gherardini, a esposa do comerciante florentino Francesco del Giocondo. Há um bom embasamento histórico para sustentar essa linha de pesquisa, no entanto, boa parte do que envolve a obra-prima ainda é tão enigmático quanto o sorriso que encanta milhões pelo mundo.

Ensaio biográfico

"Mona Lisa del Giocondo foi uma típica mulher do seu tempo, vivendo no meio de levantes políticos, dramas familiares e escândalos públicos. Descendente de nobres antigos, ela nasceu e foi batizada em Florença no ano de 1479. Casada com um negociante truculento que tinha duas vezes a sua idade, ela deu à luz seis crianças e morreu com 63 anos. A vida de Lisa abarca alguns dos episódios mais tumultuados da história de Florença, várias décadas de guerra, rebeliões, cercos e conquistas – e o maior florescimento que o mundo já viu", resume a autora logo no começo da obra.

"Mona Lisa" não se trata exatamente de uma biografia, mas uma espécie de ensaio biográfico. Todo esse mundo ao redor de Lisa citado pela jornalista, bem como parte da vida de Da Vinci, ajudam a dar corpo à obra. As andanças de Dianne principalmente pela Itália ao longo de suas pesquisas também estão presentes no livro, o que cria um interessante paralelo entre o passado de séculos atrás e o presente.

Pelas páginas de "Mona Lisa" é nítido que, apesar das pesquisas históricas, a escrita da obra exigiu uma boa dose de imaginação ou inferência por parte da autora. Repare na quantidade de suposições (explicitadas por palavras como "é provável" e "deve") desse trecho:

"É provável que Lisa tenha sido aconselhada a andar, jamais correr, e a manter as costas retas, com a cabeça para o alto e os olhos mirando para baixo […]. E ela também deve ter aprendido a dançar – fosse uma solene pavana ou um exuberante volteio com saltos e pulos. No dia dedicado a celebrar a chegada do verão, vestida com um belo costume de primavera e com uma guirlanda de flores na cabeça, Lisa deve ter se juntado às outras donzelas da cidade que perambulavam com folhas e ramos na Piazza Sante Trinità. A mãe de Lisa deve tê-la iniciado em todos os aspectos da vida doméstica, incluindo como cozinhar, limpar, comprar, manter as contas em dia, negociar com os vendedores e gerir os empregados".

Aquele sorriso

Ao longo da leitura, uma pergunta que se torna incontornável é: por que o já proeminente Da Vinci resolveu pintar uma mulher que não era da nobreza de sua época? A hipótese sustentada pela jornalista é de que Francesco tenha ficado impressionado com todos os trabalhos feitos por Leonardo, colega de seu pai, e por isso lhe encomendou um retrato de "La Gioconda" – "literalmente, 'a mulher de Giocondo', explica a autora.

"O acerto fazia sentido. Leonardo precisava de dinheiro. E o comerciante influente, que, no futuro, encomendaria outros trabalhos de arte para pintores famosos, ficaria muito orgulhoso de adquirir uma obra feita pelo aclamado artista". Mas há outras possibilidades: a encomenda poderia ter partido do pai de Francesco, que queria presentear o filho, ou o próprio Da Vinci, admirado, pode ter pedido ao comerciante permissão para que retratasse sua esposa.

Ainda no campo das boas probabilidades, Da Vinci começou a pintura em 1503 e passou anos mudando de cidade, aceitando e se dedicando a novos trabalhos e aperfeiçoando o quadro que se tornaria sua maior obra. Após sua morte, em 1519, presume-se que "Mona Lisa" tenha sido herdada por Salaì, assassinado em uma briga em 1524 – Lisa, a modelo, morreria em 15 de julho de 1542.

O quadro seria adquirido por 10 milhões de dólares (valores de hoje) pelo rei Francisco I e passaria pelas mãos de outros nobres até, após a Revolução Francesa, ser levado ao Louvre, onde se tornou um bem de todos os cidadãos franceses – ao menos no discurso daqueles que o colocaram lá. No século 20 chegou a ser roubado, viajou para exposições e foi danificado após ataques de alguns malucos, mas hoje passa bem. Tão bem que costuma ser visitado todos os anos por mais de 9 milhões de pessoas.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.