Estupros, bondage, Deus e facadas: a vida da maior pin-up da história
Por volta dos 13 anos que Bettie Page foi estuprada pela primeira vez, pelo seu pai. Durante algum tempo a violência se repetiu e, para que ela ficasse calada, ele dava alguns trocados a Bettie, que gastava tudo no cinema, assistindo a filmes de caubóis. Vivendo uma infância extremamente pobre – ficava feliz quando, no Natal, ganhava uma laranja -, raras eram as vezes em que a garota conseguia admirar as histórias que passavam nas telonas, uma de suas paixões.
Aquela não foi a única vez na qual Bettie foi estuprada. Em 1947, quando morava em Manhattan, atraída por um homem charmoso, alto e esguio, entrou num carro com a promessa de que sairiam para dançar. Grande erro. Acabaria na para parte de trás de uma escola no bairro do Queens, Nova York, onde cinco amigos do galanteador seriam os criminosos da vez. Disseram que queriam sexo, mas Bettie retrucou afirmando estar menstruada – uma providencial mentira. Então, foi obrigada a praticar sexo oral no bando de estupradores.
Não há como precisar como essas situações de violência moldaram sua vida, mas o fato é que Bettie se tornaria uma estrela e, graças ao erotismo e ao fetichismo, seria admirada e desejada por homens e mulheres de todo o mundo ao longo da segunda metade do século 20.
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Em 1950 que Bettie estrearia frente à câmera. Quando falou para um fotógrafo amador que gostaria de ser atriz, ouviu que precisava de um book. O próprio fotógrafo de horas vagas se ofereceu para, gratuitamente, fazer os cliques. Então, em um estúdio no Brooklyn, o homem recheou o sutiã da moça com lenços de papel, carregou sua maquiagem, colocou-lhe cílios postiços e recomendou que a modelo penteasse os cabelos com uma franja. Ali, em uma sessão de fotos que incluíram poses de biquíni, lingerie e alguma nudez, começava efetivamente a carreira da maior pin-up de todos os tempos. Nascia a lendária modelo.
Bondage
Entre 1951 e 1957, Bettie posaria inúmeras vezes para incontáveis fotógrafos amadores e profissionais. Era contratada por clubes de fotografia e tirava em um final de semana o que demorava um mês para ganhar como secretária, uma das funções de exerceu antes de se tornar modelo. Topava praticamente tudo na hora de fazer as imagens: vestia o que lhe pediam para vestir, fazia as poses que lhe pediam para fazer e quase sempre estava sorrindo. Não demorou para que fotos suas começassem a se espalhar pelos Estados Unidos, sendo vendidas meio que clandestinamente em lojas e bancas de jornais – essa era uma das maneiras que o erotismo (ou, para alguns, a pornografia) circulava na época.
"A modelo se sentia absolutamente confortável quando nua, e muitos fotógrafos a descreviam como uma verdadeira exibicionista. Na era supermoralista dos anos 1950, Bettie quebraria tabus, um após o outro", escreve o jornalista Richard Foster em "Bettie Page", biografia da celebridade publicada nos Estados Unidos em 1999 e lançada há pouco aqui no Brasil editora Noir.
"Bettie foi uma desbravadora sexual numa era em que tudo era tabu. Ela quebrou as regras morais, talvez sem nem mesmo entender o que eram ou determinavam de fato. Suas poses de pin-up girl e fotos de submissão abriram uma Caixa de Pandora do sexo para o mundo, onde o fetichismo e a nudez não são mais relegados a cantos obscuros e vendidos sob o balcão", registra em outro momento o biógrafo.
Quando fala sobre submissão e fetichismo, Foster se refere à fase final da carreira de modelo de Bettie, quando a moça passou a ser clicada em poses de bondage, responsáveis por fazer com que seu sucesso se tornasse ainda maior – e que suas fotos vendessem ainda mais, é claro. No entanto, apesar de não serem ilegais, imagens como uma de Bettie amarrada à cadeira, com as mãos atadas, amordaçada e trajando sapatos de salto alto, lingerie e meia pretas 7/8 passaram a incomodar profundamente os puritanos norte-americanos. Tanto a estrela quanto aqueles que comercializavam suas fotos começaram a ser vigorosamente perseguidos.
Então, no auge de sua carreira, aos 34 anos, pouco antes do Natal de 1957, Bettie decidiu parar com tudo aquilo e sumir das lentes e flashs. "Estava cansada da vida que levava e queria tentar fazer algo mais", afirmaria décadas depois. Interessante notar que a moça nunca quis ser exatamente modelo. Bettie sempre sonhou em ser uma celebridade do cinema ou da televisão, algo que não conseguiu principalmente por refutar as investidas sexuais de gente poderosa dessas áreas.
Deus e facadas
Após o final da carreira, uma vida turbulenta. Entrou para a Igreja Batista e passou a dar aulas, mas problemas psiquiátricos fariam com que se envolvesse em situações extremamente sérias. A primeira delas aconteceu após ver mais um de seus relacionamentos chegar ao fim – romances fracassados foram uma de suas marcas. Inconformada com o término do casamento, Bettie ameaçou o agora seu ex-marido com um revólver. Nos anos seguintes, atacaria de fato outras pessoas, mas utilizando facas. Um desses atentados, em 1982, resultou em uma temporada de aproximadamente uma década atrás das grades.
Enquanto tentava administrar sua conturbada vida pessoal, a imagem de Bettie ganhava cada vez mais força. Após a liberação sexual da década de 1970, a moça virou um símbolo impulsionado pelo trabalho de artistas como Dave Stevens, Olivia de Berardinis e Robert Blue, que, mais do que homenagear, reverenciaram a modelo e contribuíram decisivamente para que seu nome – e principalmente seu corpo, seu rosto e suas poses provocantes – entrasse para o mais elevado hall de estrelas da indústria pop.
Se "Bettie Page" passa longe de ser um primor de biografia – a narrativa de Foster é um claro exemplo de texto que se sustenta enquanto jornalismo, mas passa longe de ser uma boa literatura —, vale para que o leitor conheça com certa profundidade a história da modelo e entenda as transformações dos valores morais e sexuais das últimas seis décadas, bem como a maneira que as engrenagens da indústria do entretenimento se modificaram ao longo de todos esses anos.
Bettie Page morreu em 11 de dezembro de 2008, aos 85 anos, de causas naturais.
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