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Você sabia? São Paulo tem uma livraria dedicada a escritoras negras

Rodrigo Casarin

25/01/2018 09h42

Uma livraria com cerca de 200 títulos no catálogo, que privilegia a literatura feita por mulheres negras como Alice Walker, Jarid Arraes, Maria Firmina dos Reis e Noémia de Sousa, que nasceu com o objetivo de mostrar ao público não apenas os livros escritos por essas intelectuais, mas apresentar narrativas nas quais são os próprios negros e negras os grandes protagonistas. É essa a proposta da Africanidades, que nasceu como loja virtual no final de 2013 e há pouco mais de um mês ganhou espaço físico em São Paulo.

Deixar de ser apenas um negócio virtual para se fazer presente em uma das maiores metrópoles do mundo era um dos sonhos de Ketty Valencio, 34 anos, a idealizadora do projeto. Ketty é formada em biblioteconomia, pós-graduada em gênero e diversidade sexual pela Unifesp, fez MBA em Bens Culturais: Cultura, Gestão e Economia na Fundação Getúlio Vargas e se especializou na área de educação e relações étnico-raciais.

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A descoberta da literatura com a qual anos mais tarde viria a trabalhar aconteceu em 2000, quando, fazendo um trabalho para a escola em uma biblioteca pública, deparou-se com "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus – veja mais sobre a obra e sobre Carolina aqui. O encontro transformou sua vida. "Eu não me via nos livros de literatura brasileira. A partir desse encontro, me percebi como pessoa, como mulher negra, como cidadã. A Carolina fez com que eu me aproximasse da literatura. Antes de lê-la, quando via algum negro na história, o personagem sempre mostrava que eu era burra, indefesa ou violenta…", diz Ketty em entrevista ao blog. "Sempre tive consciência de que essa visão é errada", completa.

Graças à empatia causada pela leitura de "Quarto de Despejo" e o contato com outros autores que apresentam negros com toda a sua complexidade – gente como Conceição Evaristo, só para dar mais um exemplo –, Ketty notou que a literatura poderia ser uma ferramenta poderosa. "Vi [que o livro tem] um potencial para que outras pessoas [sintam o mesmo que senti], que pode ter um papel transformador para que tenhamos uma sociedade antirracista e antimachista".

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Daí, já com a formação em biblioteconomia, resolveu fazer o MBA para criar um negócio que se sustentasse. Inspirada pela Kitabu, do Rio de Janeiro, que se define como uma "livraria negra", chegou ao modelo online da Africanidades e começou a levar os livros que escolhia vender para eventos culturais ligados à cultura negra e marginal. Sim, livros que escolhia vender, pois Ketty faz uma seleção criteriosa do que vai para as prateleiras (ou links) de sua loja: além das diretrizes já mencionadas (preferência para autoras negras, narrativas que de alguma forma contribuam para debates sobre gênero e racismo…), a livreira privilegia escritoras independentes, pouco conhecidas, raramente encontradas em outros cantos e que muitas vezes sequer têm seus livros trabalhados por alguma editora. "É um catálogo qualitativo", garante.

A conquista do espaço físico da Africanidades chega num contexto no qual a literatura de diversas minorias políticas ganha holofote, inclusive, claro, a negra. "Estamos num momento que já nos levantamos, não queremos só falar sobre racismo. Antes acreditávamos que a literatura escrita não era para os negros, o que é algo errado, apesar de ainda ser cultivado. Quando isso é rompido, é algo transformador, que ficará para as próximas gerações. Minhas filhas vão acreditar que podem ser escritoras, que elas podem ser o que quiser. E isso é poderoso. Você rompe com a questão da pobreza, da marginalidade, dos lugares relegados a nós. Podemos estar em outros espaços sem medo".

A Africanidades está localizada em uma casa colaborativa de mulheres na rua Aimberê, 158, no bairro de Perdizes. Inicialmente, a livraria abrirá aos sábados e em horários específicos ou marcados durante a semana. Além da venda de livros, Ketty também planeja transformar o lugar em um polo cultural, recebendo atividades como clubes de leitura, cineclubes e debates.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.