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Por que Renato Russo adorava “tomar” Toddynho em hotéis?

Rodrigo Casarin

29/08/2017 09h28

Quando a Legião Urbana viajou de Brasília ao Rio de Janeiro para assinar contrato e gravar seu primeiro álbum, os integrantes da banda foram hospedados em um hotel em Copacabana. Logo quando chegaram, Renato Russo ligou para o empresário Jorge Davidson com uma dúvida sobre o que poderia ou não consumir em seu quarto:

"Tem uns Toddynhos aqui no frigobar, eu posso tomar um Toddynho?"

Jorge, surpreso com a inocente pergunta, respondeu:

"Claro, Renato, você nem precisava me ligar por conta disso, sem problema algum, fica à vontade, vocês têm a alimentação coberta pela companhia, vocês só não podem é beber [bebidas alcoólicas], despesas extras de telefonemas e lavanderia, essas coisas que vocês vão ter que pagar. Mas a alimentação, tudo normal. Toddynho liberado, tudo certo".

Ao desligar o telefone, Jorge ainda pensou: "que menino bacana, educado". Mal sabia que tinha dado aval para a banda fazer uma maracutaia envolvendo a equipe do próprio hotel. Depois de um tempo, empresário e administradores da gravadora notaram que havia algo de estranho nas faturas dos integrantes da Legião. "Começamos a perceber porque as contas vinham [com] '15 Toddynhos', 18 'Toddynhos', '10 Toblerones'… O Toblerone, o Toddynho, na verdade, eram uísque, cerveja, vodca, etc.". Sim, os músicos consumiam as bebidas e os hotéis as lançavam nas contas como achocolatados ou guloseimas. "E aí começou-se a controlar também a quantidade de Toddynhos", lembra Jorge.

Narrada pelo próprio empresário, a passagem está no livro "Contos do Rock – Histórias dos Bastidores do Rock Brasileiro Contadas Por Quem Esteve Lá" (editora Dublinense), organizado por Daniel Ferro, que conduzia um programa homônimo no Multishow – os relatos do volume foram transcritos das entrevistas dadas para o canal de televisão.

A obra reúne 54 causos narrados por nomes como Arnaldo Brandão, Bacalhau, Bruno Gouveia, Canisso, Clemente, Marcelo Bonfá, Digão, Erasmo Carlos, Érika Martins, João Barone, Nasi e Pitty. "O maior sucesso pra mim foi não deixar essas histórias 'pequenas' morrerem. Na minha opinião elas falam muito da personalidade da própria banda ou artista, sem ter que falar sobre a sua biografia", escreve Ferro na apresentação do livro.

Veja mais três boas histórias presentes em "Contos do Rock":

"Vocês vão tocar"

Convidados para tocar em uma feira de gado no interior de Minas Gerais, o produtor do Pato Fu ficou preocupado ao ver a quantidade de pessoas no lugar sem que houvesse polícia suficiente para garantir a segurança de todos. Achou melhor, então, conversar com os organizadores e dizer que não fariam o show por falta de condições. O produtor local logo passou o problema para que o vice-prefeito da cidade resolvesse. É Fernanda Takai quem recorda o que aconteceu na sequência:

"Aí entrou o vice-prefeito, com um cara que era, não sei, chefe da polícia, alguma coisa assim, tava fardado, e falou:

'Ó, seguinte, vocês vão tocar'.

Aí eu falei:

'Ué, mas a gente não recebeu, e não tem polícia, não sei o quê'.

'Não, vocês vão tocar, porque o único policial aqui é ele, e o prefeito morreu assassinado, e eu sou acusado de ter sido o mandante. Então vocês vão tocar'.

A gente falou

'É, nós vamos tocar'.

Fomos e tocamos morrendo de medo, né, com vontade de ir embora".

Carros apanhando de pau

Uma das cidades onde o Sepultura tocaria na Índia era Shillong. Para chegar até lá, a banda iria de avião até Nova Deli e seguiria de carro por um trajeto de aproximadamente 100km. No entanto, o percurso que, imaginavam os integrantes, duraria pouco mais de uma hora, levou quase que cinco horas para ser vencido. E toda a situação beirou o surreal, pelo que relata Andreas Kisser:

"Começamos a subida, meu, e aí a gente começou a ver a Índia mesmo, sabe, porque vinha carro de tudo quanto é tipo de direção. Não tinha uma coisa meio definida. Você vê realmente vaca por tudo que é lado, o animal sagrado. Então no meio da estrada você vê a vaca e tem que desviar. E é tudo na base da buzina. Neguinho vai empurrando. Em um momento tava todo mundo subindo e todo mundo descendo, então parou. Parou o trânsito. Parou, simplesmente parou. Veio um guarda com um pedaço de pau desse tamanho, começou a dar nos carros igual a gado. Pá, pá, sai, sai pra lá, sai pra cá".

Não bastasse, em Shillong ainda precisaram tocar em um palco todo feito de bambu. "Mas pra falar a verdade foi um dos palcos mais firmes que eu já toquei. Ali não tive do que reclamar. As aparências enganam", pondera o guitarrista.

Leite na van

Vocalista do Leela, Bianca Jhordão recorda de quando viajou para um show logo depois de ser mãe. Após algumas horas dentro da van com o resto da banda, seus seios estavam cheios de leite, mas seu filho tinha ficado em casa, aos cuidados da avó. "Eu tava louca pra dormir, porque seria a primeira vez que eu conseguiria dormir cinco horas direto, né, porque eu só conseguia dormir uma hora e meia desde que ele [o bebê] nasceu. Eu sentei na van e falei: 'Rodrigo' – que é meu marido, guitarrista do Leela – 'meu peito tá doendo muito, eu tô passando mal, eu tô com febre, preciso tirar esse leite, chupa o meu leite, toma o leite'. Aí ele: 'Não, eu não posso porque eu tô com vontade de fazer xixi e a galera não quer parar pra ir no banheiro".

Bianca apelou então para uma bombinha que tinha comprado na farmácia. "Na hora que eu comecei a dar as primeiras bombadas, estimulou o peito e começou a jorrar leite pra frente. Minha roupa ficou toda molhada. Peguei o copo da bombinha, botei o leite no copo, mas começou a pingar, e… ai meu Deus, e agora? Pô, enchi um copinho. Joguei pro lado de fora, na estrada, o que eu ia fazer? Eu tava mal, muito mal. Na hora em que a gente chegou em São Paulo, eu vinha olhando o GPS, contando quantos quilômetros faltavam para chegar em casa".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.