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A impressionante história real do homem que explodiu a própria esposa por amor

Rodrigo Casarin

25/05/2017 09h41

Nelson Golla e Neusa se conheceram quando trabalhavam em uma fábrica paulistana. Jovens, logo começaram a namorar e se casaram em janeiro de 1967. Juntos construíram a casa própria na zona leste de São Paulo e criaram três filhos. A princípio, a ideia de Nelson era de que ele trabalharia enquanto Neusa tomava conta da residência, mas, quando as coisas apertaram, coube a ela sair do lar para buscar certa estabilidade financeira para a família. Quando podiam, faziam breves viagens nos finais de semana.

Ao longo da vida, uma das metas do casal era clara: na velhice, usar a aposentadoria para viajar e, enfim, curtir um ao outro sem grandes preocupações. A saúde de ambos atrapalharia os planos, contudo. Nelson começou a apresentar problemas em um braço que logo ficaria inválido. Já a situação de Neusa foi ainda mais grave: depois de dois AVCs, precisou ser internada em uma clínica para idosos, onde teria acompanhamento constante de enfermeiras – necessidade que a família não poderia bancar em sua própria casa. Aquilo foi um grande golpe para a mulher.

Não bastasse os problemas físicos e neurológicos, Neusa também caiu em depressão. Ficava cada vez mais quieta, não demonstrava ânimo algum para nada. Mesmo com médicos dizendo que seus males físicos não eram tão graves assim, a situação emocional fazia com que definhasse. Nem as diárias visitas de Nelson eram capaz de animá-la. Em um estágio mais avançado de sua queda, passou a ser alimenta por meio de uma sonda. Nessa fase da vida, seu único alívio era quando o marido aproveitava a distração das enfermeiras para burlar as regras do lugar e umedecer a boca da amada com água de coco, bebida que ela sempre adorou.

Neusa já estava extremamente fraca quando, em um momento a sós com Nelson, arrumou forças sabe-se lá da onde para dizer algo como "me tira daqui, eu quero morrer". Aquilo, claro, foi um choque para o homem, mas o pedido ficou em sua cabeça. Ele também já andava de saco cheio da vida, do seu braço troncho, dos sonhos projetados para a velhice e não realizados, de ver a mulher amada naquele estado…

Assistindo futebol de várzea que viu rojões estourando e decidiu de que forma daria cabo à própria vida e à vida da esposa. Comprou algumas bombas, manipulou os explosivos e fez deles um único artefato. Colocou aquilo sob seu casaco e, em um domingo, cumpriu o hábito de visitar a esposa. Mas dessa vez tudo seria diferente.

Chegou na casa de repouso, cumprimentou a todos normalmente e foi dar atenção para Neusa. Quando enfim ficaram a sós, disse à amada que chegara o momento, que finalmente iriam embora dali. Nelson se deitou sobre Neusa, acionou a bomba que carregava consigo na altura do peito e abraçou a esposa. A explosão inevitavelmente os levaria para um lugar melhor. Era setembro de 2014; Nelson e Neusa estavam casados há mais de 47 anos.

A carta de despedida

"Sei que para alguns vai ser considerado um ato de loucura. Mas cansado e preocupado com o meu futuro e de minha esposa, dei um fim no sofrimento de ambos. Que meus filhos me perdoem, mas será um descanso para todos. Desculpem o trabalho que vou dar, mas isso é necessário. Sabedor de que nem eu nem ela temos recuperação, que Deus receba de braços abertos a companheira, e que me perdoe. Eu, Nelson Irineu Golla e Neusa Maria Golla fomos muito felizes. Lembrem-se de nós nos momentos de alegria. Adeus", dizia a carta de despedida que Nelson deixou no porta-luvas de seu carro.

Sua estratégia, no entanto, falhou. Sim, Neusa morreu – e dizem até que morreu com um sorriso no rosto. Nelson, por sua vez, voou longe, mas sobreviveu à explosão. Foi socorrido e levado para hospital. Quando acordou da sedação, viu-se algemado e acompanhado por policiais. Deveria ir para a cadeia assim que deixasse o leito. Estava sendo acusado de assassinato.

Toda essa impressionante história de Nelson e Neusa está em "O Último Abraço", livro-reportagem assinado pelo jornalista Vitor Hugo Brandalise e publicado há pouco pela Record. A história real do casal acaba levando o leitor a refletir sobre o envelhecimento, o sofrimento de ter um corpo, uma mente e um parceiro de vida que definham a olhos vistos, como as famílias lidam com os idosos e sobre as frustrações da vida.

E não é só isso. A obra também é uma oportunidade de se levantar o debate a respeito da eutanásia, assunto que é tabu tanto aqui quanto em boa parte do mundo. Afinal, quando alguém resolve que é o momento de colocar um ponto final em sua própria vida, essa pessoa não deveria ter um amparo – legal e médico – digno? A única forma de satisfazer o próprio desejo de morrer deve mesmo ser o suicídio, ato sempre de extrema violência?

Enquanto estava no hospital, uma juíza determinou que Nelson respondesse as acusações em liberdade e, desde que o livro foi lançado, nada mudou em sua situação jurídica. "O processo segue em fase de audiências. E Nelson continua levando a vida, como ele diz, um dia de cada vez. Faz terapia de grupo com outros idosos, ajuda nas tarefas cotidianas em casa e, de vez em quando, participa de rodas de música com amigos do bairro", escreveu Brandalise em uma breve conversa que tivemos por e-mail.

Resta saber qual será o parecer definitivo da justiça para o caso. Nelson merece ser tratado como um simples assassino? Ou atender ao pedido e abreviar o sofrimento de alguém que ele amou a vida inteira é um atenuante forte o suficiente para o compreendermos pela bomba que explodiu no peito de Neusa?

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.