Escritora transforma sofrimento pela morte da cachorrinha de estimação em delicado livro infantil
Enquanto ainda morava com seus pais, Patrícia Favalle era apaixonada por Frederico, o cachorro de estimação da casa. Quando resolveu se casar e deixar o lar, a jovem de vinte e poucos anos queria levar uma companhia canina consigo, mas sabia que não poderia tirar o cão de onde morava. Então, entrou em uma página do Orkut e arrumou uma companheira para Frederico. Da relação nasceu Bia, uma dachshund, vulgo salsichinha, que acompanharia Patrícia pelos anos seguintes.
Costumavam passear nas manhãs de domingo – sempre de carro, pois Bia odiava caminhar – e faziam compras juntas. Quando Patrícia viajava, levava a cachorrinha mesmo que fosse para os rallies que costuma fazer por países da América Latina. Viveram incontáveis momentos felizes, mas dificuldades também surgiram.
Após a separação da moça, a pequenina passou a viver sob guarda compartilhada e, quando pariu cinco filhotes, teve uma cesariana bastante complicada. Também precisou vencer dois tumores bem agressivos – para tal, fez cerca de um ano de quimioterapia. "A Bia ocupou o lugar de um filho que não veio em um casamento. Era um cão-gato, cheio de vidas para desperdiçar", compara Patrícia.
Entretanto, por mais que tenha contornado esses problemas, não conseguiu escapar dos males causados pela idade. Conforme seu fim se aproximava, ficou cega, surda e com sintomas de demência. "Foi muito triste. Ela não se lembrava nem de comer! Então, nos meses que antecederam sua morte, não saia mais de casa. Na noite em que ela foi para a casa do meu ex-marido, antes de entrar no elevador, ela deu um grunhido, quase um latido, para me chamar. Nunca tinha feito isso – e nem latia mais! Fui até ela, dei um beijo no focinho e disse tchau. Tinha certeza que ela não voltaria… morreu no dia seguinte, com 16 anos", recorda.
Jornalista e até então autora de quatro livros sobre futebol, Patrícia decidiu que transformaria a alegria de ter vivido com Bia e a dor de sua morte em um livro infantil. "Foi um processo terapêutico. Quis escrever para não me esquecer nunca de como é bom ter uma amizade verdadeira", conta. Assim nasceu "O Diário de Bia", que sai este mês pela editora Equador com ilustrações de Felipe Campos.
O livro é narrado pela própria cachorrinha, que repassa diversos momentos importantes da vida ao lado de seus humanos. Não bastasse se colocar no lugar de Bia, Patrícia também precisou aprender a escrever para crianças, algo que diz ser "absurdamente complexo". Para alcançar vocabulário e raciocínios que atingissem os pequenos, fez diversas leituras do texto com seus sobrinhos e enteado, assim podia perceber o que funcionava e o que precisava ser alterado. "Sempre escrevi sobre futebol, universo masculinizado, mais 'ogro', que não exige uma censura estilística. Com criança todo cuidado é pouco", diz.
Mas o resultado, além de lhe satisfazer, também trouxe alívio e alegria. "Chorei e choro toda vez que leio o livro. Sinto a Bia em cada palavra, lembro-me de como era bom escutar as suas patinhas batendo pelo piso de madeira, de abrir a porta de casa e vê-la eufórica, de contar quantos livros e discos ela deixou a sua marca", conta a autora, que completa: "Dar voz à Bia foi dar um xeque na morte!"
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