No aniversário da cidade, escritores indicam qual livro tem a cara de São Paulo
Qual é o livro que tem a cara de São Paulo?
Fiz essa pergunta a diversos escritores que escrevem nos mais diferentes gêneros: desde a prosa urbana de Ferréz até o chick-lit de Carina Rissi, desde o suspense de Raphael Montes até a literatura fantástica de Eric Novello. As respostas também são as mais variadas, indo desde livros de autores paulistanos que se passam na própria cidade até títulos que, de alguma forma, apenas remetem à megalópole que completa 463 anos hoje. Veja as respostas:
Ferréz, autor de "Capão Pecado": "'Luxúria', do Fernando Bonassi. Divertido, contundente e tenebroso como nosso povo. O livro foi uma grata surpresa, as histórias se amarram e se largam a todo momento. Consigo sentir a chuva, o suor e o trabalho invisível da mão de obra barata. Uma classe proeminente afundando em uma área desconhecida. Mudar de classe não é, de fato, mudar de classe nesse livro, assim como na vida".
Carina Rissi, autora de "Perdida": "'Blecaute', de Marcelo Rubens Paiva, me faz viajar pelas ruas de São Paulo; da Avenida Rebouças ao Minhocão, do Largo São Bento até a Avenida Celso Garcia. Desde que li o livro, não consigo mais andar pela Paulista sem imaginá-la toda vermelha e sempre dou uma paradinha para conferir se a antena da Globo ainda está onde deveria estar".
Raphael Montes, autor de "Jantar Secreto: "'Bom Dia, Verônica', de Andrea Killmore. Romance policial incrível que li no início do ano. Verônica é secretária de um delegado e se lança em dois casos simultâneos para investigar um assassino em série que coopta mulheres na rodoviária do Tietê. A trama toda se passa em São Paulo, com direito a cantinas italianas e perseguições na Zona Leste. Um 'Silêncio dos Inocentes' paulistano.
Cidinha da Silva, autora de "Os Nove Pentes D'África": "'A Revolução dos Feios', de Ni Brisant. É um livro cortante e ácido, como São Paulo, mas tem beleza, esperança e coragem, materializadas em prosa poética requintada. E coragem e esperança, principalmente para nós, migrantes, são fundamentais para construirmos um lugar de existência na cidade que volta a ser cinza. Uma cidade que não acolhe ninguém, mas todo mundo consegue caber em algum de seus cantos, vielas, quebradas, palcos, viadutos…"
Marcia Tiburi, autora de "Era Meu Esse Rosto": "Tem um livro que é a cara de São Paulo: 'O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam'. Lembro quando Evandro Affonso Ferreira, o autor, disse ter contado 95 mendigos em uma única tarde pela Avenida Angélica. Sabemos que a população de moradores de rua da cidade é cada vez maior. E há cada vez menos literatura, talvez valha a pena fazer essa associação em tempos como esse, uma liberdade poética promissora…"
Simone Campos, autora de "A Vez de Morrer": "'Paranoia', de Roberto Piva. A única São Paulo de livro que se parece com a que tenho em minha cabeça é a de Piva e Duke Lee. Cada foto e seção de poema é ao mesmo tempo um tapão na cara e um diálogo meticulosamente pensado. Não é porque alguém é paranoico que não está certo — é o que se entende lendo o livro. Estou fazendo uma graphic novel muito urbana e autobiográfica, e eu e minha quadrinista, a Amanda Paschoal, compartilhamos todo tipo de narrativa visual afim ao nosso tema. O 'Paranoia' foi um dos livros essenciais do nosso processo".
Sheyla Smanioto, autora de "Desesterro": "Vou de 'Contos Negreiros', que é um livro heterogêneo, cheio de gente. Gritando. Um livro que feito São Paulo não tem a pele lisa, sabe? Experimento caótico e que respira. Assim como os 'Contos Negreiros' do Marcelino Freire, São Paulo é um muro. Pichado, claro. Sem picho um muro é só um obstáculo.
Jorge Ialanji Filholini, autor de "Somos Mais Limpos Pela Manhã": "'Brás, Bexiga e Barra Funda', de Alcântara Machado. O cotidiano, em forma de contos, de uma São Paulo do começo do século 20, época de enorme imigração italiana. Um retrato, pelas perspectivas dos moradores dos três bairros do título do livro, do contato e influência das duas culturas, tendo como pulsação a cidade paulistana – há muito dos Filholini's no livro. O uso da narrativa coloquial de Alcântara – destaque para a mistura dos idiomas nas falas dos personagens – colabora para uma aproximação do leitor com o enredo. Encontramos a rivalidade de Palmeiras x Corinthians, a 'nonna' protetora, as frustrações dos amores adolescentes e convívios em um período importante para a construção de uma das diversas identidades de São Paulo".
Edyr Augusto, autor de "Pssica": "Não gostei de São Paulo à primeira vista. Preferia o Rio com suas praias. Talvez tenha estado com a turma errada. Mais tarde, me apaixonei. 'São Paulo é como o mundo todo'. Tenho amigos, minha querida editora Boitempo. Gente de teatro, literatura, música. Circulo à vontade. Vejo sua gente. Suas cores em matizes de cinza. Floresta diferente da minha, verde. Para mim, o livro que mais representa a cidade é 'Eles Eram Muitos Cavalos', de Luiz Ruffato. Desnuda e revela todos os cantos, temperamentos, ruídos, tragédias, felicidades e amores de São Paulo. Estava em pleno desenvolvimento de minha literatura. O livro me influenciou. A linguagem seca, direta, imagens e imagens, deixando para o leitor preencher os espaços vazios. Impressiona, emociona, dá tesão, tristeza, pena, raiva, angústia e amor. Mais tarde Ruffato se tornou meu amigo, nos encontrando pelo mundo, divulgando nossos livros. O livro ficou ainda melhor".
Eric Novello, autor de "Exorcismos, Amores e uma Dose de Blues": "'Kaori – Perfume de Vampira', da Giulia Moon. Kaori percorre duas histórias em paralelo. Uma no Japão do século 15, explorando folclore japonês e a violência da época dos senhores feudais. Outra no presente, século 21, explorando o ritmo frenético de São Paulo e principalmente sua noite pulsante, pelo olhar de um observador de vampiros. Assim como há quem saia para observar pássaros, o protagonista sai para observar os dentuços. E a Giulia descreve tudo de um jeito muito rico, fazendo uma ponte entre esses dois mundos, essas duas épocas, que tem muito a ver com a São Paulo real, digamos assim.
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