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A favela de Paraisópolis além da violência: tem até casa de garrafa pet

Rodrigo Casarin

29/11/2016 11h16

Paraisópolis, o cenário da novela das 7 da Globo

22.457. É esse o número de garrafas de plástico que compõem a casa de Antenor, uma residência "verde, sustentável, sem dúvida, uma das mais bonitas da comunidade", que fica na baixada, próxima ao Bar da Mineirinha e do Lava-rápido J. A., na favela de Paraisópolis, em São Paulo. O homem chegara à cidade há 25 anos e desde que precisou se aposentar por conta de um marca-passo no peito passou a se dedicar à construção de artefatos com garrafas pet jogadas fora. Assim que fez boa parte dos apetrechos, móveis e decorações de sua morada, incluindo aí uma instalação com tampas brancas sob o teto do quarto que, quando Antenor está deitado, faz com que se lembre da água do mar.

A história de Antenor Clodoaldo Alves Feitosa está presente em "Cidade do Paraíso – Há Vida na Maior Favela de São Paulo", livro-reportagem dos jornalistas Vagner de Alencar e Bruna Belazi. Na obra, a dupla dedica seu olhar aos moradores anônimos que vivem entre becos e vielas de um dos bairros mais conhecidos e temidos da capital paulista. Diferente do que normalmente é visto nos noticiários, no entanto, não são o tráfico e a violência os evidenciados pelas diversas narrativas presentes no volume.

cidadedoparaisoDessa forma que aparecem registros como o de Antonio Ednaldo da Silva, que transforma sucata em arte, de Manoel Ramos, que oferece raízes que curam quase qualquer doença, e de Joseane Silva, pintora que largou o telemarketing para tentar viver de sua arte. "Talvez a maior surpresa tenha sido ver por parte dos moradores um semblante de felicidade por saberem que existe uma obra que valoriza a comunidade a partir do que ela realmente é: da sua arte, do empreendedorismo latente, os becos e as vielas mostrando a geografia do local e a realidade que não a do tráfico e violência. Uma forma de ir para além do que a futura primeira-dama de São Paulo recentemente destacou: que Paraisópolis era a Etiópia", diz Vagner sobre o impacto do livro em muitos dos habitantes do lugar.

O próprio Vagner, mestre em Educação pela PUC-SP e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, tem uma história de 21 anos com Paraisópolis, onde pisou pela primeira vez em agosto de 1995, em uma época que o bairro era "cheio de casas de madeira, assim como a nossa. Havia pouca infraestrutura, esgoto a céu aberto e poucas ruas asfaltadas", lembra. Entre idas e vindas da família para a Bahia, construiu assim uma relação com a favela que deixou há alguns anos – atualmente mora em Pinheiros.

"Desde 2010, eu já escrevia sobre Paraisópolis para o blog Mural, hospedado na Folha de São Paulo, com o propósito de mudar o olhar negativo e estigmatizado em torno da favela. Sou um dos 60 correspondentes que escrevem para o Mural. Muitas dessas histórias foram reaproveitadas e ampliadas no livro; outras encontradas caminhando por Paraisópolis. Ser correspondente de Paraisópolis foi fundamental para que eu, embora morasse na favela, conseguisse sensibilizar meu próprio olhar para o que acontecia ao redor. Afinal, muitas vezes, a gente mesmo incute uma ideia ruim sobre o que somos e onde estamos", explica.

Enquanto cursava jornalismo no Mackenzie que Vagner conheceu Bruna e, por terem como afinidade trabalhos de cunho social, resolveram se juntar para escrever "Cidade do Paraíso", trabalho de conclusão do curso que terminaram em 2012 – já no ano seguinte a obra seria publicada pela Primavera Editorial. Apesar do título já ter três anos de mercado, enquanto pessoas como a futura primeira-dama de São Paulo continuarem achando que a favela é a Etiópia, como bem lembrou o autor, trabalhos do tipo sempre continuarão atuais.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.