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Montar programação é espécie de “Tinder imaginário”, diz curadora da Flip

Rodrigo Casarin

11/11/2016 18h04

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"Montar uma espécie de Tinder imaginário". É isso que Josélia Aguiar vem tentando fazer desde outubro, quando foi anunciada como a curadora da edição de 2017 da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty. Nesse caso, os "crushs" são escritores e os "matchs" acontecem quando fica evidente que dois autores possuem afinidade suficiente para compartilhar uma das mesas do evento.

Jornalista, biógrafa de Jorge Amado e doutoranda em história pela USP, Josélia é a segunda mulher a assumir a curadoria do principal evento literário do país, que anunciou que terá Lima Barreto como autor homenageado de sua próxima edição. Na conversa a seguir, dentre outros assuntos, ela fala da dificuldade de se escolher os nomes em uma lista que pode chegar tranquilamente a 200 artistas e que talvez chame quem esteve nas primeiras edições do evento, que caminha para sua 15ª edição – aos interessados, o que disse sobre a escolha de Lima Barreto está nesta outra matéria.

Desde que lhe foi feito o convite muitos nomes de autores para convidar já devem ter passado pela sua cabeça. Em quais você tem se empenhado para que a participação seja concretizada?
Daí o curador acorda no dia seguinte ao anúncio de seu nome e descobre que ao menos cinco dos dez ou quinze que ele pensava trazer são autores que nunca saem de casa, nem para receber o Nobel. Outros cinco costumam ser convidados, nunca aceitaram e ainda não sabem se podem vir. O mais bacana, e desafiador eu diria, é que essa lista só vai crescendo, conforme você pesquisa e conversa com críticos, editores, autores, outros jornalistas. Não sem esforço a lista pode chegar a uns 200 nomes muito interessantes. Ocorre que pensar em autores não é o mais difícil. O difícil é pensar em duplas ou trios, que precisam funcionar muito bem numa conversa ao vivo no palco. É como montar uma espécie de Tinder imaginário.

Você pretende repetir algum nome que já passou pela Festa ou quer fazer uma programação só com autores que nunca estiveram no palco principal dela?
Na Flip existe uma quarentena de cinco anos para autores convidados. Talvez seja oportuno trazer autores que vieram no começo dessa história – que vai completar 15 anos – pois eles também estão em outra fase de sua trajetória e têm a ver com a programação específica do próximo ano. Claro que ter raridades, autores que jamais participam e finalmente topam, isso é aquele tipo de marca que todo curador quer deixar.

Em 2008, o Flávio Moura, curador da época, convidou o Neil Gaiman, que se tornou provavelmente a maior atração pop que já passou pela Festa – a fila para autógrafos dele durou mais de 5 horas. Por que nunca mais um nome de tanto apelo com o público foi convidado? Pretende chamar algum escritor que possa causar a mesma repercussão? O Paulo Werneck, que fez a curadoria entre 2014 e este ano, disse que tentou durante algum tempo a vinda do John Green, é um nome que lhe agrada?
Vou começar te dizendo que a fila de autógrafos não me parece a única medida de preferência de um autor. Digo isso porque a depender do público de cada mesa – e o público guarda certa heterogeneidade –, pode existir uma timidez ou reserva quanto à ideia de fazer fila e pedir para que assinem livros. Ou seja, há autores que têm um público que o admira de outro jeito. Ainda não pensei no John Green. Mas pensei em nomes históricos, e estou muito concentrada em fazer com que venham. Quem sabem possa fazer barulho à sua maneira.

Aliás, como a organização da Flip, o Mauro Munhoz, da Casa Azul, e a Liz Calder, idealizadora do evento, veem atrações desse tipo? Você tem total autonomia para convidar os autores e compor as mesas, eles precisam aprovar os nomes que você escolhe, eles lhe impõem ou irão lhe impor alguns nomes…?
Tenho absoluta autonomia para sugerir e convidar. Também escuto muitas sugestões de todo mundo, adoro escutá-las pois sempre aprendo muito, o que não significa que vou acatá-las. É preciso que façam sentido dentro da programação, e a certa altura só o curador entende como está funcionando as combinações que faz na cabeça. Já ouvi de frequentadores da Flip que cada curador deixa sua marca, sua personalidade na seleção daquele ano e no modo como as coisas acontecem.

Apesar do Brasil ter centenas de editoras, nos últimos anos algumas poucas dominaram a programação principal: um autor ou outro da Intrínseca, Rocco, Boitempo, 34, 7Letras… muitos do grupo Companhia das Letras. Isso é mera coincidência? O que exatamente uma editora precisa fazer para que tenha chance de emplacar um autor na Flip?
Para trazer autores internacionais – que perfazem em geral metade do número de convidados – contamos com a força da parceria que seus editores brasileiros têm com eles. No dia a dia, falando da parte realmente prática, você tem de fazer com que um autor que talvez nunca pensou em vir ao Brasil mude sua rota de eventos europeus. Os editores têm me procurado, alguns eu tenho procurado, para saber de reais possibilidades de trazer alguns nomes. Nesse processo, tenho tentado ser o mais diversa possível, seguindo o que a própria Flip já vem tentando. Nos dois últimos anos, contou com autores de mais de vinte editoras.

Em diversas entrevistas você já disse que tentará dar um equilíbrio maior à Flip, seja no balanço entre homens e mulheres convidados, seja nas questões raciais. É normal ver muita gente dizendo que a Festa é um evento "de esquerda". Buscando o equilíbrio, chamar autores que pendam para a direita também será uma preocupação sua ou o posicionamento político de alguém pouco importa na hora de realizar o convite?
Já recebi sugestões de pensadores políticos, tanto de direita quanto de esquerda. Preferia, especificamente para essa Flip, ter mais narrativas – de ficção, de não ficção – e poesia, em suas diversas formas. Sim, estou preocupada em formar uma programação paritária, com número equilibrado de homens e mulheres e com representatividade de autores negros.

O Werneck foi bastante criticado por ter tentado levar o Mano Brown para a Flip deste ano, alegavam ser um absurdo convidar um músico, não um escritor, para o evento. Meses depois, Nobel para Bob Dylan. O que você achou do prêmio? Te deixa mais confortável para chamar alguém que use a música – ou qualquer outro meio que não o livro, o papel impresso – para fazer literatura? Pensa em tentar novamente o Mano Brown?
Quando fui curadora do Festival da Mantiqueira, em 2014, fiz uma mesa de que muito me orgulho com grandes letristas: Fernando Brant, Capinan e Vítor Martins. Quanto ao Bob Dylan, ele já foi tentado algumas vezes pela Flip, antes mesmo de vencer o Nobel. Infelizmente declinou. Talvez eu não tenha uma visão conservadora do que seja a literatura, e a intersecção com outras artes me parece muito interessante e estimulante. Não pensei especificamente no Mano Brown. Mas veja que a Flip já recebeu cineastas no palco, e mesmo outros compositores.

A Flip deste ano recebeu críticas por ter atraído menos gente do que em edições anteriores a Paraty. Com restaurantes menos lotados e pousadas com vagas disponíveis, algo raro para o período, houve impacto na economia da cidade e teve quem considerasse a programação do evento como responsável por isso (aqui no Uol, inclusive). Você acha que, como curadora, precisa se preocupar se o evento vai ou não girar a economia da cidade conforme esperam? Independente da questão econômica, em quais pontos você acha que a Festa precisa melhorar?
Não há uma maneira única de pensar a curadoria. Mas para todo curador – e é esse o meu ponto de vista –, sem dúvida o mais importante será sempre fazer a melhor programação literária possível, trazendo ao público a diversidade do que se produz no Brasil e no mundo. Diria que gostaria de ter mais literatura e fazer mesas com formatos um pouco mais variados – até porque a Flip já serviu de referência para outros eventos literários, que adotam esse modelo. Estamos pensando em mais coisas relacionadas à literatura e a Paraty, de modo a fazer com que aquele lugar e calendário também sejam associados a uma ideia de formação.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.