Amor e luta: livro revela histórias de garis que limpam ruas de São Paulo
"Temos biografias completas de reis e rainhas, heróis de guerra, políticos atuantes. Mas são poucos os relatos que expressam a voz dos que têm menos, daqueles que são realmente responsáveis pela construção da sociedade e da civilização. De faraós temos as vidas. Mas quem de fato ergueu as pedras das pirâmides? Os eruditos gostam de imaginar que os grandes acontecimentos foram fruto de ideias dos sábios iguais a eles. Mudanças só aconteceram porque os menos favorecidos acolheram essas ideias, e as transforaram em ação. Ou alguém acha que Maria Antonieta teria deixado o trono espontaneamente, se não fosse a Revolução Francesa, a multidão nas ruas, a luta contra os privilégios da nobreza? A sociedade é construída por quem trabalha".
É o que escreve o dramaturgo Walcyr Carrasco no texto de abertura de "Histórias de Gente – Histórias da Gente". No volume, os trabalhadores em questão são garis que atuam nas ruas de São Paulo. Histórias de vinte desses profissionais foram ouvidas, registradas e agrupadas no livro, uma iniciativa da Inova, empresa responsável pela limpeza de ruas de São Paulo, em parceria com a Câmara Brasileira do Livro.
Dentre os registros estão, por exemplo, o de Quitéria Gomes de Araújo, que conheceu Edvaldo, seu marido há mais de doze anos e com quem tem três filhos, enquanto fazia a varrição de ruas pelos arredores da Praça da Sé. Também há o de Aldemir Francisco dos Santos, que certa vez socorreu um rapaz alcoolizado que caiu, bateu a cabeça e ficou com a testa sangrando. E o de Airton Canto Fernandez, que começou a varrer ruas para complementar sua renda de florista.
"O livro foi uma iniciativa para mostrar à população da cidade que agentes ambientais, conhecidos por garis, possuem muito a contar por meio de suas batalhas diárias, em dias de sol, de chuva, frio ou calor. As histórias trouxeram um conteúdo bastante emocionante, cheios de vida, de sentimento e de orgulho pela profissão que desempenham. Mas os relatos com trajetórias de amor e de luta ganharam destaque. Demos voz a quem muitas vezes se sente invisível e temos consciência dos benefícios que a inclusão pode trazer para cada cidadão e para o ambiente corporativo. Nosso desejo é mostrar que existem histórias a serem contadas em todos os lugares, por todos nós", diz sobre a iniciativa Reginaldo Bezerra, diretor-presidente da empresa.
Ao falar de luta, talvez uma das narrativas que melhor se encaixe no termo seja a de Maria Solemar Ferreira da Silva. Ela nasceu no sertão do Maranhão, trabalha desde pequena, só estudou até o quinto ano e casou com um marido "muito mandão" na esperança de mudar de vida. Não gostou, no entanto, de ter alguém que pensava que podia lhe dar ordens. Deixou o antigo lar, mudou-se para São Paulo com as filhas, conseguiu comprar um terreno em Suzano, onde ergueu sua casa, e hoje trabalha varrendo as ruas do Brás.
O lançamento do livro aconteceu durante a 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo e contou com a presença dos 20 profissionais que tiveram suas histórias retratadas – e que puderam assinar os exemplares como coautores -, além de Walcyr Carrasco. "Os garis se emocionaram ao serem percebidos como pessoas e não condicionadas à divisão social do trabalho, e é essa reflexão que propusemos aos leitores", completa Bezerra.
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