Topo

“Fora, Temer” e o fim do “musa da festa”: 10 fatos que marcaram a Flip

Rodrigo Casarin

04/07/2016 12h03

 

27960504412_9e19286772_k

Acabou ontem a 14ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, e eis, a meu ver, os 10 principais fatos relacionados ao evento – os números não representam necessariamente a ordem de importância dos aspectos, vale dizer:

1 – Para mim, ponto mais importante desta Flip: em uma edição repleta de autoras – eram 17 na programação principal, um acerto da curadoria -, não se ouviu nada pelas ruas de Paraty relacionado ao "título de musa da festa". Parece que, enfim, as escritoras passaram a ser respeitadas, discutidas e eventualmente elogiadas somente pelo trabalho com as palavras. Que pensamento e postura dignos de um pré-adolescente no colegial tenham mesmo ficado para trás.

2 – Até o último instante a escolha de Ana Cristina Cesar como homenageada foi bastante discutida. Não se pautar pelo cânone e usar a festa para dar destaque a uma desconhecida do grande público é válido. No entanto, talvez a escritora marginal perfeita para ocupar o cargo fosse Carolina Maria de Jesus, aí sim teríamos uma ruptura grandiosa.

3 – Aliás, não houve escritores negros nas mesas principais do evento. Mesmo isso já tendo sido bastante discutido, é preciso que o erro se mantenha em evidência para que não ocorra novamente.

4 – Eles ao menos estavam nas programações paralelas à Flip – com casas oferecendo possibilidades vastíssimas e de ótima qualidade, diga-se, acompanhadas quase sempre por grandes plateias. Paulo Lins participou na Nau dos Insensatos, Conceição Evaristo de mesa no Itaú Cultural, Marcelo D'Salete falou na casa do Sesc…

5 – Voltando à programação principal, os nomes mais aguardados da edição agradaram bastante. Fãs de Karl Ove Knausgard, Svetlana Alexievich, Misha Glenny e Irvine Welsh saíram bem satisfeitos com o que ouviram dos seus autores favoritos.

6 – Por outro lado, algumas mesas foram problemáticas. Gregório Duvivier como mediador do papo entre Tati Bernardi e Ricardo Araújo Pereira não foi uma boa escolha; a impressão é que ele queria aparecer tanto quanto ou até mais do que os outros dois, esqueceu que estava ali apenas para balizar o papo, não para ser também uma atração.

Ainda na sexta, além da mesa "Sexografias" não ter funcionado, com o diálogo não andando e Juliana Frank proporcionando alguns momentos constrangedores, o mediador Daniel Benevides foi muito mal ao apontar para a filha da peruana Gabriela Wierner na plateia e dizer que, embora devassa, a autora também se importa com a família – ao menos na conversa mesmo Daniel reconheceu que havia dito uma grande besteira. Também houve embaraçamento no papo entre Patrícia Campos Mello e o refugiado sírio Abud Said, vaiado e chamado de babaca por alguém da plateia após criticar negativamente os direitos humanos.

7 – Ainda sobre as mesas, a abertura com Armando Freitas Filho e Walter Carvalho foi um porre. No momento que deveriam mostrar toda a importância de Ana Cristina Cesar para ser a homenageada da Flip, o papo tomou outros rumos, quase todos pouco interessantes. Aliás, Ana C. deveria ter sido assunto mais frequente nas mesas – e com foco apenas nela, não dividindo as atenções com Clarice Lispector, por exemplo, como aconteceu no papo entre Benjamin Moser e Heloísa Buarque de Holanda.

8 – Tanto nas mesas quanto na plateia e nas ruas de Paraty a política esteve presente e a mensagem mais ouvida era bastante clara: "fora, Temer!".

9 – As ruas de Paraty, aliás, estavam consideravelmente mais vazias do que em anos anteriores, algo que traz prejuízos imediatos para a cidade, mas que, surpreendentemente, Mauro Munhoz, diretor-presidente da Casa Azul, organizadora da Flip, apontou como algo positivo na coletiva de encerramento do evento. Vale lembrar que em outras edições as ruas abarrotadas eram motivo de comemoração por parte da organização.

10 – Por outro lado, uma Paraty mais vazia permitiu que quem estava na Flip pudesse curtir muito mais o lugar. Estava bem mais fácil de arrumar mesa nos bares e andar pelas ruas sem ser levado pela multidão.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.