Para onde vai o Brasil? Escritores apontam futuro incerto e sombrio
"Tendo em vista nosso momento político, para onde vai o Brasil?"
Essa foi a pergunta que o UOL fez para alguns dos escritores mais importantes da literatura brasileira na atualidade. Milton Hatoum, Conceição Evaristo, Sérgio Rodrigues, Alberto Mussa, Ronaldo Correia de Brito e Patrícia Melo toparam abrir suas impressões sobre o delicado momento que o país atravessa e apontar o que imaginam para o futuro. Para boa parte deles, as perspectivas não são nem um pouco boas – a exceção é Mussa, que se diz otimista -, no entanto, uma brecha de esperança transparece em quase todos os discursos. Vejam o que disseram:
Milton Hatoum, autor de "Dois Irmãos" e "Relato de um Certo Oriente":
"O país está diante de um impasse. As reformas (previdenciária, fiscal etc) são importantes, mas a grande mudança, de que depende a democracia, só virá com uma reforma política profunda. Os políticos ignoram essa exigência popular. Nenhum presidente pode governar com quase 30 partidos, a maioria de aluguel. Eduardo Cunha (um delinquente, segundo a PGR) lidera a mais obscura força política do Congresso e influencia esse governo interino, cuja essência é conservadora. Há uma questão histórica, uma equação não resolvida no Brasil: como conciliar uma política econômica liberal com uma base parlamentar arraigada no coronelismo, clientelismo e corrupção? Isso vem do século 19. Hoje, parece coisa de manicômio, mas é mais uma aberração neste país de milhões de miseráveis. Nossos políticos liberais são apenas liberais de fachada. No fundo o que prevalece é uma velha dupla conhecida: clientelismo e patrimonialismo. Basta ver o péssimo histórico criminoso da maioria dos atuais ministros e de sua base parlamentar. Sem reformas radicais, o impasse sempre estará no horizonte. Mas eu não sou cético. Sou pessimista mesmo".
Patricia Melo, autora de "Fogo-fátuo" e "Elogio da Mentira":
"Um amigo me explica que, uma vez instalada a cultura democrática numa nação, são necessárias três ou quatro gerações até que a cultura da corrupção seja vencida. O que vivemos hoje é um indício de que o Brasil caminha para um lugar interessante. Foram dois impeachments na nossa história recente. Um de verdade, outro, um constructo de impeachment, uma troca patética de poder, na qual a saída de seis implicou na entrada de meia dúzia de igual qualidade. Por esta razão, é difícil acreditar que Temer e sua turma consigam chegar ao fim de 2018. São mais do mesmo, e cairão um a um, conforme já estamos vendo na práxis do novo governo.
O fato é que a fogueira na qual se prepara o outro Brasil, o "Brasilpontodois", é alimentada por esse nosso pobre Brasil. Vamos queimar muita gente. Queimaremos a maioria. Seus discípulos e herdeiros também serão queimados. Passaremos décadas queimando e ardendo, até que o fazer político não seja sinônimo de corrupção. Até que corrupção seja apenas um desvio de poucos, como ocorre hoje em países com grande tradição democrática. Acreditar num Brasil possível, rico, que seja um bom lugar para nascer e para viver é como acreditar na ocupação do espaço sideral ou na cura do câncer. Vai acontecer. Pena que não estaremos mais aqui. Será o Brasil dos nossos netos e bisnetos. Abençoado por Deus e bonito por natureza".
Alberto Mussa, autor de "A Primeira História do Mundo" e "O Enigma de Qaf":
"Sou fundamentalmente otimista. Creio que os avanços sociais dependem mais dos indivíduos comuns que de governantes, parlamentares, partidos ou instituições. Ainda que haja eventuais retrocessos. Acredito que, nos próximos anos, haverá um fortalecimento da noção de esquerda, ou seja, ficará claro, na consciência social, que a composição, a negociação, a transigência, a promiscuidade conduzem precisamente ao retrocesso".
Ronaldo Correia de Brito, autor de "O Amor das Sombras" e "Galiléia":
"Não sei responder e a incerteza me deixa inquieto, tira o meu sono. Quando terminei a escrita do romance "Estive Lá Fora", ambientado no Recife do final da década de 1960, em plena ditadura militar, eu parecia ter esgotado minhas reflexões sobre o Brasil. A partir de agora, nada me escapa, falei. Escapou-me. Um país indecifrável se apresenta a cada novo dia. Senti necessidade de reler "Os Demônios", pois algo da atmosfera atual me remetia à Rússia do século 19, niilista e sem rumo. A fala do personagem Chátov sobre os falsos nacionalistas se aplica aos salvadores da nossa pátria: "Nunca esses homens amaram o povo, nem sofreram nem nada sacrificaram por ele, por mais que eles imaginassem isso como consolo"! Também reflito sobre o Tao-te King: "Em tempos maus recorremos ao Direito". Há um excesso de politização do Poder Judiciário, o que nos conforta pelo exercício da Justiça, mas nos deixa o sentimento de que vivemos o desequilíbrio de forças entre os três poderes. E isso gera muita insegurança".
Sérgio Rodrigues, autor de "O Drible" e "Elza, a Garota":
"O Brasil real é tão múltiplo que provavelmente vai pro vinagre e pras cabeças, pro céu e pro inferno, sem esquecer o purgatório. Vai pro brejo e pra galera, pra casa do chapéu e pra lugar nenhum. Tudo ao mesmo tempo, uma coisa tentando anular a outra, como sempre. Quanto ao Brasil oficial, estou pessimista: quaisquer que sejam os "vencedores" do jogo atual, só consigo enxergar mais alguns anos de penúria econômica e política, tempo perdido, projetos abortados, desperdício de talentos, desesperança, mau humor. E justo quando vínhamos de um longo período de otimismo, nos anos FHC e Lula, sem, no entanto, termos aproveitado a chance de revolucionar a educação e o sistema político para fazer avanços mais consistentes. Um país decente parece hoje mais longe do que parecia então e isso dá uma tristeza danada. O único consolo é que com o fracasso também se faz literatura. Mas não consola muito".
Conceição Evaristo, autora de "Olhos D´Água" e "Becos da Memória":
"É desesperante a constatação da força dos traidores. Em vários momentos da História, a traição de um ou de alguns muda todo o rumo dos acontecimentos. E para quem acredita estar travando a batalha justa, a experimentação da derrota pode aos poucos ir minando o que nos resta de força. É esse o sentimento, o estado de espírito, que nos invade nos últimos meses. E mais ainda, não é só temor, não é só um mau presságio. É a cruel constatação que estamos caminhando em vão. Se no passado recente estávamos caminhando para a concretização de alguns direitos fundamentais como cidadãs e cidadãos brasileiros, hoje percebemos essas conquistas sendo anuladas. As últimas medidas tomadas pelo governo que se instalou pelo golpe anulam resultados das lutas das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos homossexuais e das classes populares como um todo. O nosso recente passado de conquistas já era. Por isso repito uma expressão que temos usado sempre para pensarmos as lutas dos povos descendentes de africanos nas Américas: "Os nossos passos vêm de longe…" A luta dos afro-brasileiros não é de agora. Conscientemente escolho a nacionalidade hifenizada, afro-brasileira, pois quero ressaltar a situação histórica dos africanos escravizados e seus descendentes na formação da nação brasileira. Um de nossos paradigmas de resistência se fundamenta nas lutas quilombolas. E que nos ensinaram as lutas quilombolas? Ensinaram-nos que o sumo da luta política é feito de insistência, de resistência, de esperanças e da certeza de que lutamos pelo que é nosso por direito. Ser quilombola não significava ter a liberdade garantida, talvez fosse muito mais viver sob a ameaça de ser recapturado e entregue aos "senhores", mas era preciso resistir sempre. E nesse momento em que perguntamos para onde vai o Brasil, recapturado e entregue novamente aos "senhores" sabemos que um futuro promissor não será para as classes populares. Vai se dar bem quem historicamente sempre se deu… Mas como "os nossos passos vêm de longe", sabemos por experiência quão longa é a estrada".
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