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Conheça a editora que só publica literatura LGBT para combater preconceitos

Rodrigo Casarin

13/05/2016 12h01

marcio coelho e juliana albuquerque

Segundo dados da última pesquisa do IBGE, estima-se que no Brasil a população LGBT esteja em torno de 18 milhões de pessoas. Apostando nesse público superior ao número de habitantes de países como Chile e Equador ou à população de Portugal e Israel somados, que o casal Márcio Coelho e Juliana Albuquerque fundaram, em 2015, a Editora Hoo – nome que surgiu de um jogo de letras a partir da palavra de língua inglesa "who".

A proposta da casa é publicar obras de ficção com temática LGBT como uma forma de combater o preconceito, acabar com a heteronormatividade na literatura e contribuir para a conscientização das pessoas sobre a diversidade. Fiz algumas perguntas ao casal por e-mail e, na conversa, Márcio e Juliana dizem, por exemplo, que jovens e adolescentes gays, lésbicas, bissexuais e transexuais ou que possuem pais LGBTs também precisam começar a se reconhecer nos livros que leem. Confira:

DSC_0018"Nossos autores são porta-vozes de uma literatura que, finalmente, saiu do armário", está escrito apresentação da editora no site. Para vocês, é mais importante publicar um bom autor ou um autor bem engajado nessa questão?
As duas coisas são importantes. E achamos que uma puxa a outra. Uma boa obra LGBT, em geral, vem precedida de engajamento.

É comum ver pessoas afirmarem que a militância atrapalha a arte. O que pensam disso?
Complicado desvincular uma coisa da outra. Não acreditamos em arte desvinculada do contexto histórico. Nem os artistas podem se desvincular da realidade em que vivem. As lutas LGBTs, as variadas discussões sobre o tema, a quebra de preconceitos: tudo isso está diretamente relacionado à produção cultural LGBT. Como separar um e outro e pensar numa arte alienada? Não acreditamos ser possível.

Qual o limite entre uma literatura engajada e a panfletária?
No caso da literatura LGBT, não sei como poderia ser panfletária, já que estamos falando de direitos humanos, de respeito às pessoas. Se fosse o caso de ideologias políticas ou religiosas, até daria pra entrar nessa discussão e avaliar obras engajadas ideologicamente ou puramente panfletárias. Mas na produção artística LGBT, assim como os movimentos feministas, os movimentos negros e de outras minorias, não acho que seja panfletário, pois a reivindicação é por justiça depois de séculos sendo injustiçados.

Vocês se inspiraram em alguém, algum autor, alguma outra editora ou empresa para montar a Hoo?
Na verdade, não. A ideia surgiu da falta de representatividade na literatura e no cinema, algo que vínhamos discutindo há algum tempo. Mas sempre procuramos fazer um trabalho tão bom quanto as editoras já consagradas no mercado, tanto pela qualidade dos títulos quanto pelo acabamento.

decobertasQuais as apostas para o futuro próximo?
Inicialmente a proposta da Hoo era publicar apenas ficção, porque entendemos que já há muitos livros de estudos LGBT e militância propriamente dita no mercado. A literatura mesmo é que estava meio deixada de lado. Mas hoje percebemos que há muitos autores de não ficção, em temas menos explorados, que merecem ser divulgados. Tudo isso pra explicar que vamos lançar um livro de não ficção e aumentar um pouco o escopo da editora. E também vamos apostar em algumas obras estrangeiras.

A ideia da editora é dialogar com públicos de quais idades? Pretendem fazer livros LGBT para crianças?
De todas as idades. Já temos livros no catálogo para adultos e jovens adultos. E vamos publicar um livro infantil ainda este ano, no segundo semestre.

Dos originais que recebem, quais abordagens que mais lhes surpreenderam?
Olha, temos recebido originais incríveis e dos mais variados temas. Os que já publicamos são surpreendentes pela variedade: tem viagem no tempo ("O livro das coisas que nunca aconteceram"), tem adolescente descobrindo diversidade da vida de maneiras inesperadas ("Volto quando puder") e tem um exorcista tendo que lutar contra um demônio poderosíssimo e contra suas próprias perversidades ("Canto negro"). E estamos com um livro de contos no prelo: o "Terezinha e outros contos de literatura", que vai abordar a fluidez entre os gêneros ao longo de várias narrativas que discutem o papel do gênero feminino e masculino na sociedade e na intimidade das personagens.

Por que era/é o momento para se publicar livros LGBT?
Justamente pela falta de representatividade. A literatura LGBT vinha sendo tratada como algo de nicho ou simplesmente limitada ao erotismo ou pornografia. Os romances young adult, por exemplo, trazem, em sua esmagadora maioria, casais heterossexuais e discutem a sexualidade sempre do ponto de vista da heteronormatividade. E os jovens e adolescentes gays, lésbicas, bi, trans? Ou aqueles que tem pais LGBTs? Já tinha passado da hora de essa galera também se ver e se reconhecer na literatura de que tanto gosta.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.