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Livro sobre assassinato de Che Guevara não consegue fugir de ideologismos

Rodrigo Casarin

15/02/2016 15h02

Che

É praticamente impossível escrever um texto isento, sem qualquer traço de ideologia, quando se fala sobre Che Guevara. No próprio título deste post, a escolha pela palavra "assassinato" já indica a maneira que encaro aqueles que mataram um dos maiores nomes do século 20. A perseguição ao revolucionário enquanto ele estava embrenhado na mata boliviana foi transformada em livro pelos premiados jornalistas norte-americanos Mitch Weiss e Kevin Maures: "Caçando Che" saiu no Brasil há poucas semanas pela Record e também não consegue escapar das questões ideológicas.

A própria orelha do volume já mostra qual a posição dos autores e editores. Nela lemos: "'Caçando Che' narra as façanhas do major Shelton e de personagens como o general René Barrientos, o agente da CIA Félix Rodriguez e Gary Prado Salmón, comandante boliviano dos Rangers que terminou por prender Guevara. Revela ainda a chegada de Che à Bolívia, o desdobramento do confronto dramático, a captura no vilarejo de La Higuera e como Shelton e sua equipe mudaram a história, impedindo que uma ameaça catastrófica fincasse raízes no Ocidente".

Outras demarcações de posição semelhantes à "ameaça catastrófica" surgem no texto de Weiss e Maures. Logo na nota dos autores, por exemplo, tratam Che como um dos mais "temíveis" revolucionários do século passado. Em outros momentos, chamam o guerrilheiro de "velhaco argentino" ou simplesmente de "canalha".

Capa Cacando Che c MF.aiCaçada na selva

As escolhas por esses termos serão apreciadas por aqueles que odeiam Che e repudiadas por quem lhe venera ou ao menos lhe tem alguma simpatia. Fora isso, "Caçando Che" é um livro-reportagem importante, uma boa narrativa – em que pese a tara dos autores em ressaltarem que personagens estavam "impecavelmente barbeados" – sobre tudo o que os Estados Unidos fez para, junto com o exército boliviano, frear aquele que buscava revolucionar o sistema social de alguns dos países mais pobres do mundo.

O temor norte-americano era que, caso Che fizesse na Bolívia o mesmo que realizara anos antes em Cuba, o país no coração da América do Sul pudesse servir de base para que a revolução se espalhasse pelas nações vizinhas e, depois, por todo continente. No entanto, por conta do vexame na Guerra do Vietnã, o instante não era favorável para que o exército dos Estados Unidos interferisse belicamente com seus próprios homens em outra nação. Então, mandaram os chamados Boinas Verdes ao país comandado pelo general Barrientos para que treinassem aquela que viria a ser uma unidade de elite do exército local.

A desconfiança era que Che estava pelas matas bolivianas acompanhado de um exército próprio, fortemente armado, bem estruturado e que contaria com centenas de integrantes. Acertaram apenas a localização do guerrilheiro, no entanto, que perambulava pelo lugar somente com algumas dezenas de camaradas que dispunham de recursos escassos e utilizavam principalmente a inteligência para alcançar eventuais triunfos.

Ensinando a fazer latrinas

Mas a situação do exército boliviano, por outro lado, era deplorável. Não bastasse os armamentos obsoletos e a falta de recursos para que adquirissem até mesmo munição em boa quantidade, os Boinas Verdes ainda precisaram contornar hábitos primitivos. A falta de higiene bucal, por exemplo, fazia com que os militares do país sul-americano contraíssem doenças que minavam suas forças.

Nesse sentido, os autores relatam. "Em La Esperanza, quando tinham de fazer necessidades, eles urinavam e defecavam do lado de fora de suas tendas, no depósito. O fedor era de chorar, e a imundice trazia risco à saúde. Logo, a equipe de Shelton ensinou os bolivianos a cavar – e usar – um fosso como latrina, a maneira mais simples de se fazer um banheiro. Mas os bolivianos foram relutando em usá-lo. O sargento Dan Chapa, finalmente, deu-lhes um empurrãozinho – não era mais permitida a presença de fezes e urina dentro de um perímetro de 20 metros dos prédios habitados, e as mãos deveriam ser lavadas com água e sabão após o ato consumado. Aqueles que não o fizessem teriam de cavas sozinhos o próximo fosso".

Entretanto, os exércitos dos Estados Unidos e da Bolívia conseguiram contornar os problemas e atingiram o objetivo que tinham em comum: depois de uma longa perseguição e alguns conflitos, capturaram Che Guevara em 8 de outubro de 1967 e o assassinaram no dia seguinte. Apesar do guerrilheiro já estar preso (o que dava a todos a oportunidade de lhe julgar pelos crimes que cometeu ao longo da vida), o presidente boliviano deu o comando, ilegal, para que o matassem.

Quem sabe não esteja aí a chance de Weiss e Maurer agora escreverem a história sob a perspectiva da vítima. É que "Caçando Che" não escapar das ideologias dos autores – e a crítica, neste caso, também não.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.