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Frank Sinatra apostou em Tom Jobim para inovar durante a ascensão do rock

Rodrigo Casarin

10/12/2015 14h16

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Um calhamaço com imponentes 1.176 páginas. Não tem jeito, a primeira coisa que chama a atenção em "O Chefão", biografia de Frank Sinatra – cantor e ator que, se vivo, completaria 100 anos neste sábado – escrita pelo jornalista e escritor James Kaplan, é o seu tamanho.

Segunda e derradeira parte do projeto de Kaplan de transpor para as páginas de livros a vida e a obra de um dos maiores nomes da cultura popular no século 20, o volume apresenta como, após um período difícil, Sinatra ressurgiu graças ao Oscar de ator coadjuvante pela atuação no filme "A Um Passo da Eternidade" e, a partir daí, construiu o grande nome que é até hoje cercado por histórias e mitos.

SinatraUma das passagens de "O Chefão" diretamente relacionadas ao Brasil é o convite do cantor do norte-americano a Tom Jobim para gravarem um álbum juntos. Tom bebia cerveja em um boteco quando recebeu a ligação de Sinatra, que enxergava no brasileiro a oportunidade de, com a fusão entre samba e jazz, contornar um momento crítico da carreira – na época de grande ascensão do rock, artistas do gênero é que estavam em evidência (veja abaixo a passagem do livro que narra o convite de Sinatra a Tom).

Há muitas outras histórias nas mais de mil páginas da obra, é claro. "O Chefão" apresenta a íntima relação que Sinatra construiu e manteve com a Máfia nos Estados Unidos, as gravações dos filmes e álbuns do artista, bem como seus shows e aparições em programas de televisão, e o lado empresarial do biografado. Por meio da história do cantor, Kaplan acaba abordando e retratando ainda elementos como as transformações sociais, culturais, artísticas e sexuais do século passado.

Essa segunda parte do trabalho de Kaplan foca dos anos 1950 até o final da vida de Sinatra, que morreu em 1998. A primeira parte da vida do cantor segundo o jornalista e escritor está em "Frank: A Voz", publicado no Brasil em 2013.

Veja um trecho de "O Chefão" :

Em dezembro de 1966, o compositor popular brasileiro Antonio Carlos Jobim estava tomando cerveja com amigos em seu bar favorito no Rio de Janeiro quando um garçom lhe trouxe um telefone, disse-lhe que era uma ligação dos Estados Unidos, e que quem estava ligando era Frank Sinatra. Jobim ficou agitado, mas não aturdido: Sinatra, o ídolo de sua geração, já expressara interesse em gravar suas composições em 1964, ano em que a gravação de Stan Getz e João Gilberto da mais famosa música do compositor, "Garota de Ipanema", tornou-se um sucesso internacional, projetando a bossa nova brasileira a uma popularidade mundial. No ano seguinte, a Warner Records, o selo de Sinatra, tinha lançado um álbum chamado The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim, no qual Jobim tocava (e cantava, numa voz rudimentar mas emocionante) suas próprias canções, com arranjos de Nelson Riddle.

Quando Jobim atendeu o telefone naquele dia de dezembro, Frank lhe disse que gostaria de fazer um álbum com ele. O compositor não pensou duas vezes. "É uma honra, eu gostaria muito",1 disse. Aos 39 anos, Jobim já era um colosso: um compositor único e singular cujas influências incluíam Heitor Villa-Lobos, Debussy e Ravel. Suas canções, muitas com letras escritas pelo poeta Vinicius de Moraes, eram como as de ninguém mais: enganosamente simples, ligeiramente melancólicas, iridescentemente adoráveis. Ecoavam com Eros e nostalgia e permaneciam por longo tempo no ouvido, comparáveis de modo favorável às maiores obras do cancioneiro americano. (As letras de algumas de suas composições foram traduzidas para o inglês por letristas não muito estelares ― o texto de Norman Gimbel que quase parece uma paródia de "Garota de Ipanema" é um exemplo ―, mas as melodias em si eram fortes o bastante para suportar a transformação.)

O que Jobim não sabia é que Sinatra estava ligando para ele num momento crítico de sua própria carreira. Talvez Frank estivesse com um gosto ruim na boca depois de "Winchester Cathedral" e "The Impossible Dream"; sem dúvida, como sempre, ele estava numa busca incansável por novas inspirações. Tinha reclamado que os velhos gigantes, os Harry Warren e os Harold Arlen, não estavam mais produzindo canções; não podia contar para sempre com Cahn e Van Heusen, e Cy Coleman e Carolyn Leigh. Não podia gravar standards para sempre.

Com o rock sacudindo as bases da música popular, Sinatra precisava de algo novo. O que seria melhor do que a deleitável fusão de samba e jazz cujo simples nome já expressava novidade? Para ressaltar seu desejo de mudança, Frank disse a Jobim que queria que Claus Ogerman ― o compositor e maestro alemão que tinha escrito as partituras para o primeiro lp do brasileiro, o todo instrumental Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado, Plays ― os arranjos para o disco deles. Sinatra perguntou a Jobim se ele podia ir de imediato para Los Angeles e começar a trabalhar nos arranjos. Foi uma pergunta mais ou menos retórica. "Na noite de quinta-feira, 12 de janeiro de 1967, Frank ofereceu uma festa para celebrar o 65º aniversário de Joe E. Lewis no Jilly's South, em Miami Beach", relem-brou Earl Wilson, sem mencionar que o humorista acabara de sofrer um leve acidente vascular cerebral. "Foi a festa mais molhada a que jamais compareci", disse.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.