Eduardo Spohr: “Não entendo quem despreza a literatura de entretenimento”
Em 2007 que Eduardo Spohr começou sua bem-sucedida carreira de escritor. O livro de estreia "A Batalha do Apocalipse" já o colocou como um dos principais nomes da literatura fantástica do país. Em seguida iniciou a série "Filhos do Éden", que dá continuidade à obra inaugural. Vieram, então, os títulos "Herdeiros da Atlântida", "Anjos da Morte" e o recém-lançado "Paraíso Perdido". Juntos, os quatro livros já venderam mais de 700 mil cópias.
Sim, Spohr é um fenômeno de vendas. Assim que chegou às livrarias, há pouco mais de um mês, "Paraíso Perdido" despontou na lista de best-sellers, desbancando nomes do momento no mercado editorial, como os livros gastronômicos de Bela Gil, e ficando atrás somente do fenômeno mundial "Grey", título do universo de "50 Tons de Cinza". Na nova obra o autor de 39 anos dá cabo à história dos heróis Kaira, Urakin e Denyel que precisam combater o poderoso vilão Metatron.
Como de praxe em narrativas fantásticas, toda a saga construída por Spohr é repleta de referências mitológicas e religiosas, dois assuntos que muito lhe interessam – e que os levou a criar uma grande admiração pelo mitólogo Joseph Campbell, um dos maiores intelectuais do século 20, inclusive. Mas não que ele tenha algum credo definido, pelo contrário. Identifica-se como um "cético", alguém que não se apega no acreditar ou não em algo, que prefere "duvidar de tudo".
Apesar disso, mostra na apresentação de "Paraíso Perdido" que entende a importância metafórica de qualquer divindade ou criatura mitológica. "Os anjos, demônios e feiticeiros presentes em minhas obras não existem concretamente, mas às vezes, quando levo uma fechada no trânsito, sinto como se um querubim descesse ao meu lado, me incitando a partir para a briga, a quebrar o nariz do sujeito, para logo depois um ofanim aparecer no banco de carona e sussurrar, candidamente: 'Calma'", escreve.
Por falar no que está no entorno da narrativa em si, em uma época de diversas lutas femininas, chama atenção a dedicatória de Spohr em seu novo romance: "Este livro é dedicado a todas as mulheres deste mundo (e de outros, quem sabe)", oportunismo – no bom sentido – que o autor garante ter sido obra do acaso. "Ela estava pronta há mais de dois anos, neste livro as mulheres aparecem como personagens centrais", lembra. Não que ignore os movimentos que vêm sendo chamados por alguns de "Primavera das Mulheres". "Estamos em uma época de conservadorismos e extremismos, mas ao mesmo tempo começam a aparecer movimentações contrárias a isso. Apesar das polarizações, é bom que a reivindicação por direitos civis no geral estejam sendo trazidas à tona".
Do RPG à formação de leitores
Acompanhando uma apresentação de Spohr na Bienal do Rio deste ano – que virou matéria, inclusive -, pude perceber o quanto seus fãs não apenas conhecem o seu trabalho e cada detalhe das histórias, mas costumam confrontar o autor com perguntas muitas vezes capciosas, cruzando informações e passagens espalhadas pelos seus livros. O escritor diz gostar disso e lembra que a gênese de sua literatura vem do RPG. Criando longas aventuras com os amigos que começou a delinear aquilo que serviria de base para o próprio universo fantástico. "Minha criação nunca foi solitária, sempre foi coletiva. No RPG, o mestre dá o norte da história, mas os outros que a continuam e podem criticá-la. Lembro de amigos que falavam que não tinham gostado muito de narrativas que criei para o jogo, por exemplo", lembra para dizer como se acostumou a levar em conta as opiniões dos outros.
E ao levar a seus leitores o universo fantástico que cria, Spohr acredita que esteja ajudando a fomentar um público apreciador de livros no geral. "A literatura de entretenimento, não só a de fantasia, no mundo todo, em todas as épocas, sempre teve o papel de formar novos leitores, então não consigo entender quem a despreza. A maioria dos clássicos em sua época era literatura popular. 'A Moreninha' [de Joaquim Manuel de Macedo, lançado em 1844], por exemplo, era um folhetim, algo do mais baixo escalão naqueles tempo".
Ao conversar com um escritor nacional de vendas tão expressivas, difícil em algum momento do papo não falar sobre a questão da leitura no Brasil. Afinal, o brasileiro realmente é um povo que pouco – ou sequer – lê? Na visão de Spohr a resposta se divide em duas frentes. "Claro que há o problema estrutural de, independente de qualquer governo, nossa educação ser precária. É inadmissível termos analfabetos e analfabetos funcionais em um país civilizado, o que nos faz ler pouco. Isso é uma verdade", diz. "Mas também é verdade que quem tem acesso à leitura está lendo cada vez mais", completa.
Istambul e Terra Santa
Desde 2009 que Spohr vive das vendas de seus livros. Antes disso, atuava como jornalista de sites e portais da internet, onde aprendeu a lidar principalmente com mídias digitais, o que lhe seria bastante útil na futura carreira. "O jornalismo é uma escola para o escritor e eu me sinto confortável na internet, aprendi a lidar com o público nas redes, desde os fãs até o cara destrutivo, que vem e xinga até a sua mãe".
Na vida pessoal, o que Spohr mais gosta de fazer é viajar, hábito que herdou de seu pai, piloto de avião, e de sua mãe, comissária de bordo. Às vezes passa dois anos sem tirar férias para depois fazer longas viagens. Dos muitos lugares que já esteve, um dos que mais lhe surpreendeu foi Istambul. "É uma cidade árabe, diferente do resto da Europa, dominada por mesquitas e minaretes, não por torres de igrejas e castelos. Há muitos níveis de história, das diversas culturas que já passaram por ali", diz, referindo a vestígios daqueles que já ocuparam o território turco, como os impérios romano, bizantino e otomano.
Das viagens que ainda vislumbra, anseia em conhecer principalmente a Terra Santa. "Já descrevi Jerusalém em meus livros sem nunca ter ido lá, apenas pegando referências em outros livros, guias de viagem…". Para alguém tão ligado em mitologia, faz bastante sentido querer conhecer o berço das três grandes religiões monoteístas do mundo atual.
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