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Pesquisador brasileiro reúne em livro cinco séculos de HQs

Rodrigo Casarin

16/11/2015 16h51

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As histórias em quadrinhos começaram a ganhar forma clara no século 19 e se tornaram uma arte consolidada ao longo do século 20. No entanto, a HQ moderna não nasceu de uma hora para outra, mas é o resultado de um longo processo. É justamente parte significativa dessa evolução que Rogério de Campos, pesquisador do assunto, resgata em "Imageria", livro que está sendo lançado pela editora Veneta.

A obra apresenta mais de cem histórias em quadrinhos criadas nos últimos 500 anos, entre os séculos 15 e 20, que, além de originarem as HQs de hoje, também influenciaram, segundo o autor, a literatura, o teatro, o cinema, a televisão, os vídeo games, as artes plásticas e o jornalismo.

Assunto polêmico dentre muitos estudiosos do assunto, Campos optou por um conceito bastante simples para definir o que é HQ: "uma narrativa que se desenvolve numa sequência de imagens". Dessa forma, apesar do recorte temporal escolhido, levanta a possibilidade de considerarmos quadrinhos inclusive os desenhos sequenciais feitos por homens nas cavernas, por exemplo. "A escrita é uma das evoluções da narrativa por imagens. A história em quadrinhos é outra dessas evoluções. Ambas têm raízes bem profundas. A banalidade de determinados quadrinhos e livros da indústria editorial de hoje são apenas poeira nessa história", defende.

Olhando para sua pesquisa, o autor conta que "surpresa" é a palavra que melhor define a empreitada. "Tudo me surpreende. Só decidi fazer esse livro porque, depois de tanto tempo trabalhando como editor e pesquisador, achei que já soubesse de quase tudo". Não sabia, claro. Admirou-se ao descobrir que um clássico como i suíço Rudolf Töpffer era "muito mais genial do que pensava" ou em achar uma HQ "maravilhosa" intitulada "Como se Tornar Um Reacionário", de Léonce Petit, por exemplo.

Do século 15 ao 20

O ponto de partida da obra é a HQ "Cristo e a Alma Amorosa", feita por um alemão anônimo no século 15. Apesar de Campos ter encontrado alguns trabalhos mais antigos, esse foi o que tinha uma sequência de imagens bem definida e que possibilitava uma boa qualidade de reprodução, conta. O que a sucede são peças que passam pela crítica de costumes, histórias sensacionalistas de crimes reais e até mesmo doutrinações religiosas e políticas. "Os quadrinhos são uma linguagem de comunicação imediata, por isso tem sido tanto usado pela propaganda", diz o autor.

Dentre os trabalhos apresentados por Campos, há espaço também para questões históricas envolvendo a arte no Brasil. É o caso, por exemplo, da revolta do jornalista Ferreira de Menezes, que em 1876 escreveu um artigo se queixando dos "excessos dos caricaturistas do Rio de Janeiro". Reclamava principalmente de um desenho que colocava duque de Caxias em um corpo de macaco, feito Cândido de Faria e publicado pela revista "O Mosquito", comandada pelo português Raphael Bordallo Pinheiro. Como outras duas publicações nacionais de humor também eram tocadas por europeus, o contrariado Menezes disparou: "se é assim, devem desde já arranjar as malas e embicar para Paris".

Na hora de organizar todo o material que tinha em mãos, o autor privilegiou as obras que, de alguma forma, representam bem determinados períodos ou trazem significativas inovações para a arte. "Procurei, na medida do possível, reproduzir histórias inteiras, ou pelo menos sequências inteiras, já que interessa aqui justamente a narrativa visual, e não apenas o desenho isolado de seu contexto. Também na medida possível, tentei apresentar um panorama da imensa variedade de maneiras de pensar e fazer quadrinhos antes do século 20", relata no prefácio. "Decidi parar na primeira década do século 20 porque a partir desse momento os quadrinhos entram em outra fase, que vai durar mais de cinquenta anos, na qual a hegemonia norte-americana será quase total", completa no texto.

Outcault, Töpffer e Hogarth

Como não poderia deixar de ser, parte importante de "Imageria" é destinada a uma tríade de nomes fundamentais da história dos quadrinhos: o norte-americano Richard Outcault, criador de "The Yellow Kid", de 1896, Töpffer, autor de 'A História do sr. Jabot', de 1833, e o inglês William Hogarth, de "Progresso de uma Prostituta", do século 18. Especialistas do assunto normalmente se dividem entre os três para definir qual deles é o autor da primeira HQ moderna e seus trabalhos de estreia estão reunidos na íntegra pela primeira vez no Brasil na obra de Campos.

"Existem alguns marcos das HQs. O 'Yellow Kid' é um, representa aquele momento no qual os quadrinhos passam a ser uma das principais atrações dos jornais no final do século 19. 'A História do sr. Jabot', do Töpffer, marca o momento em que aquela mistura de texto e imagem adquire uma consciência própria. Töpffer percebe que criou algo que não é literatura e não é artes plásticas, mas que junta as duas coisas criando uma nova linguagem. Töpffer é talvez o primeiro quadrinista que tem a noção de que é um quadrinista. E tem William Hogarth, Wilhelm Busch e outros autores que tiveram uma influência decisiva no desenvolvimento da linguagem", diz Campos sobre esses nomes, lembrando também da francesa Marie Duval, cuja criação Ally Sloper, de 1867, "marca o momento no qual um personagem ganha popularidade o bastante para chegar a ter um gibi próprio e virar centro de uma indústria de licenciamento".

O excelente momento do quadrinho nacional

Tendo toda essa bagagem histórica como perspectiva, Campos considera excelente a fase que a arte vive no país. "É talvez o melhor momento da história dos quadrinhos brasileiros. Não sei de outro período que tivesse tamanha quantidade, qualidade e variedade de autores. Se é correto falar, por exemplo, em uma ficção feminista no Brasil hoje, ela talvez esteja acontecendo principalmente na forma de quadrinhos", diz, para depois fazer uma lista de destaques, como Marcelo d'Salete, a dupla Thiago Ramos e Rogério Narciso, Marcello Quintanilha e Juscelino Neco.

"Essa também uma razão que me fez inventar o 'Imageria'. Durante anos eu procurava o novo no resto do mundo para trazer para o Brasil. Agora, muito do novo está acontecendo aqui. Então chegou a hora de apresentar os antigos, principalmente para os quadrinistas. Espero que isso ajude a consolidar os avanços que estão sendo feitos agora. O crítico inglês Paul Gravett fez uma frase muito exata para a quarta capa do meu livro: 'O futuro dos quadrinhos se firma e se constrói a partir das obras fundadoras do passado'", conclui o autor.

Veja algumas páginas de "Imageria":

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.