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“Maracanazo espanhol” inspira novela sobre violência e extremismo político

Rodrigo Casarin

14/11/2015 08h00

dapieve

A seleção espanhola de futebol nunca se deu bem quando jogou no Maracanã. Na Copa de 1950, perdeu de 6×1 para o Brasil, em um jogo que ficou famoso por conta da torcida que entoou a marchinha "Touradas em Madri" para celebrar o massacre. Em 2013, nova derrota para a seleção brasileira, 3×0 na final da Copa das Confederações. Em junho do ano passado, mais uma decepção da Fúria naquele que já foi o maior estádio do planeta: 2×0 para Chile e a equipe campeã mundial caia fora da Copa sem passar da fase de grupos.

Inspirado nessa última partida que o escritor e jornalista Arthur Dapieve criou a novela "Maranacazo". "Vi naquele jogo um cenário excelente para um encontro e muitos desencontros. A eliminação da então campeão do mundo ainda na primeira fase, o embate entre a ex-colônia e a ex-metrópole, ambas com ditaduras ferozes em seus passados, as paixões que o futebol desperta e simboliza", conta Dapieve.

Na história, um fanático torcedor da seleção espanhola vai ao Maracanã onde, apesar de sair novamente derrotado, encontra uma torcedora do Chile que lhe fará companhia durante aquela noite. Os dois personagens, no entanto, possuem perfis diametralmente opostos: ele, um conservador de direita; ela, uma progressista de esquerda; ele, torcedor do Real Madrid (time com uma parte da torcida fortemente associada aos neonazistas, como o jornalista Antonio Salas mostrou no livro "Diário de um Skinhead"); ela, apaixonada por Victor Jara, músico chileno preso durante a ditadura que teve as mãos com as quais tocava violão e piano esmagadas antes de ser fuzilado; já morto, seu corpo foi largado em uma favela de Santiago.

O que mantém os dois próximos é apenas o interesse sexual. A expectativa pelo ato conduz o breve relacionamento marcado pela tensão e pelas discussões que nascem das divergências políticas. Quando cada um se aprofunda em sua história particular, no entanto, esquerda e direita praticamente se fundem por conta da violência usada para tentar impôr suas convicções. "A ideia foi exatamente essa. O torcedor espanhol e a torcedora brasileira filha de chilenos representam isso, o horror que nasce quando um dos extremos do espectro político acha que, por ser o dono da verdade e da virtude, os fins justificam os meios, por mais brutais que estes sejam. Essa presunção sempre causou dor", diz o escritor.

Toda esta violência também está presente em uma das últimas cenas da narrativa, de grande força metafórica. Como espelhando a história, o colonizador impõe sua força sobre a colonizada, deixando a impressão de que muito pouco mudou desde que espanhóis – e portugueses, e ingleses… – apareceram por essas terras. "Pensei nisso quando o final se concretizou na minha tela. Por outro lado, o último drible da história é dado pela colonizada… Essas relações de poder raramente são unidirecionais", pondera o autor.

maracanazoEncomenda francesa

"Maracanazo" foi publicado primeiro na França a pedido da editora Folies d'Encre, que solicitou a Dapieve um texto inspirado na competição que já havia começado. "Poderia ser algo de não ficção, como uma espécie de diário da Copa, por exemplo, ou algo de ficção, como acabou sendo. Havia ainda a exigência de tamanho mínimo, para poder resultar num livro independente", explica.

Agora a novela sai no Brasil pela Alfaguara na coletânea "Maracanazo e Outras Histórias", que conta ainda com outros quatro contos que oscilam entre o razoável e o bom, mas estão longe da qualidade que Dapieve atingiu atendendo à encomenda da Folies d'Encre, que também merecia ter ganhado uma edição nacional exclusiva para si, como aconteceu na França.

Futebol como trampolim para outras dimensões

Por conta de sua versão em francês, "Maracanazo" chegou à final do Prêmio Jules Rimet – que consagra publicações que de alguma forma se relacionam com esportes – deste ano, vencido por Alain Gillot com "La Surface de Réparation". "Para mim, pessoalmente, a grande importância foi simplesmente ter concorrido. Digo isso sem nenhuma falsa modéstia ou complexo de inferioridade. Nada que eu tenha escrito concorreu a algo aqui no Brasil. Ter estreado assim logo na França, país que ama os livros, foi sensacional. E ter disputado a 'bateria' final com quatro autores franceses e outro brasileiro foi muito honroso", diz o escritor, também autor de obras como "Cada Amor tu Herdarás Só o Cinismo" e de livros sobre o rock tupiniquim, sobre a importância da indicação.

O outro brasileiro em questão é Sérgio Rodrigues, que chegou à final com o romance "O Drible", no qual parte do gol perdido por Pelé contra o Uruguai na Copa de 1970 – no lance o atacante, com um jogo de corpo, dá uma meia-lua no goleiro, mas depois chuta a bola para fora – para abordar uma delicada relação entre pai e filho. Segundo Dapieve, no entanto, isso não significa necessariamente que o futebol começa a ganhar representações dignas em nossa literatura – espaço que muitos apontam como vago ou mal ocupado. "Não sei se começamos a preencher esse vazio. Primeiro, pela própria natureza da escrita sobre futebol, que é uma forma de expressão falando de outra forma de expressão… Troço bem complicado. Segundo, porque tanto o livro do Sérgio quanto o meu não são exatamente sobre futebol e sim utilizam o universo dele para falar de outras coisas. Aliás, isso talvez explique termos conseguido abordar o esporte. Ele foi usado como trampolim para outras dimensões".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.