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“Escritores são os novos terroristas”, diz etíope refugiado em Ouro Preto

Rodrigo Casarin

06/11/2015 20h45

tioperegugiado

"Quando você trabalha em um ambiente opressivo, as opções são limitadas: ficar quieto, ser preso ou fugir. Estou aqui porque me exilei. Houve um retrocesso na liberdade de expressão desde o 11 de setembro. Muitos países no mundo ganharam nova justificativa para silenciar os escritores em nome de uma luta contra o terrorismo, com as leis antiterrorismo. Então, escritores são os novos terroristas. Na Etiópia, mais de 80 escritores foram presos e torturados em nome de uma suposta segurança, e isso tem acontecido com autores em outros países", afirmou o jornalista e escritor etíope Girma Fantaye em um dos momentos mais importantes do Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop), a mesa "Exílio ou silêncio", que aconteceu no começo da noite desta sexta.

Fantaye precisou deixar o seu país em 2009 por conta do trabalho que fazia no jornal "Addis Neger", que ajudou a fundar. Devido à atividade e das leis do país, poderia ser acusado de se opôr ao governo local por divulgar notícias que contrariavam os mandatários e ser preso como terrorista. Seu primeiro destino foi a Uganda, mas depois foi para os Estados Unidos – por lá recebeu uma bolsa do curso de Jornalismo na Universidade de Stanford -, e na Eslovênia, onde ficou os dois últimos anos graças ao Icorn (International Cities of Refuge Network), um dos responsáveis por sua estadia de quatro meses em Ouro Preto, onde ficará exilado entre abril e julho do ano que vem.

O Icorn é uma organização que ajuda escritores refugiados a encontrar lugares que lhes acolham pelo mundo – são cerca de 50 cidades e mais de cem artistas em busca de ajuda. Foram os responsáveis por abrigar na Suécia, entre 2006 e 2008, a bielorrussa Svetlana Alexievich, Nobel de Literatura deste ano, por exemplo. Para trazer Fantaye ao Brasil, a entidade firmou parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), responsável pela acomodação e alimentação do escritor refugiado, e da organização do Flop, que lhe cederá uma bolsa de R$1000 por mês. O etíope, por sua vez, ministrará aulas especiais em cursos como os de História e Filosofia, além de dar palestras e workshops.

"Ele saiu fugido de seu país, sem passaporte nem nada. Então, a ação é uma forma de proteger essas pessoas que escrevem, publicam seus pensamentos, e, dessa forma, acabam colocando a vida em risco por conta de governos autoritários", disse ao UOL Guiomar de Grammont, curadora do Flop e a principal articuladora para que Ouro Preto criasse uma forma de acolher, ao menos durante um período do ano, algum autor refugiado.

"O Fantaye ficará quatro meses aqui, mas a ideia é que ele nos ajude a arrumar gente para realizar algo maior, nos ajude a sensibilizar outros parceiros para que a iniciativa se repita em mais lugares e dure mais tempo. Por mim, seria ótimo se o refugiado pudesse ficar por dois anos em Ouro Preto", explicou Guiomar.

Para chegarem ao nome do etíope, a Ufop passou ao Icorn um perfil de autor que gostaria de receber (africano, negro…). A entidade, então, apontou três opções para que escolhessem uma delas. A primeira alternativa seria um cartunista que, no entanto, engravidou sua mulher e, na iminência de constituir uma família, não quis vir ao país. Então, cederam a vaga para Fantaye.

A casa – simples e sem decoração, apenas com o essencial para acolher seus moradores, como camas, fogão e geladeira – onde Fantaye se hospedará fica no centro histórico de Ouro Preto, pertence à própria Ufop e ainda está inabitada. Pensada principalmente para abrigar pesquisadores da Universidade, nela podem ser acomodadas até nove pessoas. A residência se torna também a primeira unidade da Cabra (Casas Brasileiras de Refúgio), braço do Icorn no Brasil.

Futuro incerto

Guiomar também destacou o papel do Itamaraty para que o etíope pudesse entrar legalmente no país. "Ele não tem passaporte, apenas um documento de viagem emitido por Uganda, então o governo nos ajudou muito, entendeu mesmo a importância humanitária desse gesto".

Autor dos livros "The Quest For the Lost City" e "Self Meda", o futuro de Fantaye após a estadia no Brasil é incerto. Há a possibilidade de que volte para Uganda, mas o próprio Icorn acredita que essa não seja uma boa opção; temem que ali ele possa ser um alvo fácil para o governo etíope. Já a sua vaga em Ouro Preto deverá ser preenchida por algum outro escritor refugiado na edição de 2016 do Flop. Esta é a primeira residência sul-americana do Icorn para escritores perseguidos, mas a entidade já tenta viabilizar outras semelhantes em Belo Horizonte e São Paulo.

O jornalista viajou para Ouro Preto a convite da organização da Flop.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.