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Em Ouro Preto, autores pedem espaço para negros e índios na literatura

Rodrigo Casarin

06/11/2015 12h56

aaflop

Na manhã desta quinta-feira, os escritores Conceição Evaristo, doutora em literatura comparada, Uelinton Alves, pesquisador da obra de Cruz e Souza, e Betty Mindlin, antropóloga especialista em questões indígenas, encontraram-se em Ouro Preto para uma conversa com o tema "Vozes da diversidade: a prosa contemporânea brasileira". O papo, parte da programação do #DasLetras, que íntegra a 11ª edição do Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop), concentrou-se principalmente na necessidade de mais espaço na cena literária nacional para o trabalho de autores negros e índios.

"O sistema literário brasileiro é muito marcado pela presença de autores brancos e ricos", afirmou Conceição. "As classes abastadas tanto culturalmente quanto financeiramente têm o privilégio de criar a representação não só dela mesma, mas também dos outros", continuou, lembrando que foram autores brancos que construíram a imagem do negro na literatura, como Jorge Amado fez em "Gabriela, Cravo e Canela". "É um imaginário construído de fora para dentro".

Conceição explicou que o espaço para as escritoras negras sempre foi ainda menor do que para os escritores negros. Depois de autoras brancas ganharem força no modernismo, na primeira metade do século 20, apenas na década de 1960 que uma negra despontou com sua literatura: Carolina Maria de Jesus, de"Quarto de Despejo" (veja mais sobre a autora na nesta matéria que fiz sobre ela). Depois disso, ainda demorou para que aquela exceção se transformasse em um movimento maior. "As mulheres negras escritoras ganham uma visibilidade dentro da literatura brasileira muito mais tarde, talvez de uns 20 anos pra cá que haja um espaço em construção".

Conceição ainda ponderou que, evidentemente, essas autoras possuem suas diferenças, mas são unidas por aspectos sociais e históricos. "Não somos um bloco único de escritoras, nem todas utilizam a mesma temática, os mesmos recursos estéticos, temos nossas diferenças. Mas temos também, talvez, um ponto que nos une, a diretriz da nossa escrita, o fato de experimentarmos um lugar diferenciado na sociedade brasileira: de mulher, na questão de gênero, e de negro, na questão de identidade. A grande maioria ainda é oriunda das classes populares, então isso nos dá uma unicidade dentro da diversidade".

Problema histórico

Pesquisador de escritores negros brasileiros da segunda metade do século 19, Uelinton afirmou que muitos nomes importantes foram esquecidos com o passar do tempo. Citou, por exemplo, Maria Firmina dos Reis, que escreveu "Úrsula" "A literatura dela ficou no limbo, igual a de muitos outros autores negros. As referências que temos são muito pequenas".

Sobre Machado de Assis, recordou que, "quando ele morreu, Afrânio Peixoto, o médico legista, colocou na certidão que ele era branco", mostrando um exemplo do conflito à época, como se um gênio não pudesse ser negro. "No dia da abolição, o Machado, que era tímido, tinha crises epilépticas na rua, saiu para festejar em carro aberto", citou também, refutando a ideia de que o autor de "Dom Casmurro" era alheio às questões raciais.

Falou ainda de Teixeira e Souza, autor de "O Filho do Pescador", seu principal objeto de estudo. "Pouca gente tem ideia de que ele é o pai do simbolismo brasileiro". E se diversos desses autores do passado foram esquecidos, os do presente continuam quase sempre invisíveis. "Ainda hoje não há muita ideia sobre autores negros. Ninguém os enxerga, eles não estão nas livrarias", criticou.

Literatura indígena

Última a ter a palavra, Betty Mindlin, responsável por traduzir para o português e transformar em livros diversos mitos de diferentes tribos indígenas do país, garantiu que os índios também procuram espaço para que sua voz ecoe na literatura nacional. Disse que, apesar dos trabalhos que ela mesmo fez, é necessário que os próprios indígenas contem as suas histórias, sem a interferência de terceiros, e que isso seja divulgado e debatido. "Agora é a vez deles, eu não tenho mais o que fazer. O mundo agora é dos escritores indígenas", concluiu.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.