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Imigrações no mundo repetem “Vidas Secas”, dizem netos de Graciliano Ramos

Rodrigo Casarin

05/11/2015 16h00

Graciliano

"As imigrações que vemos hoje pelo mundo são uma repetição do que acontece em 'Vidas Secas', que continua super atual". É dessa forma, remetendo ao grande fluxo de pessoas que atualmente deixam seus países em busca de um lugar para sobreviver, que Ricardo Ramos, escritor e neto de Graciliano Ramos, olha para um dos principais trabalhos de seu avô. No clássico, o autor retrata uma família de retirantes que perambula pelo sertão em busca de um canto que lhes permita continuar vivos. Elizabeth Ramos, ensaísta e também neta de Graciliano, prontamente concorda com seu primo.

Autor de outros títulos fundamentais da literatura nacional, como "São Bernardo" e "Memórias do Cárcere", Graciliano é o homenageado do 11º Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop), que começou ontem e vai até domingo, dia 8. A abertura contou com uma discussão sobre a importância do escritor – da qual Ricardo e Elizabeth participaram – e a inauguração de uma pequena exposição com alguns manuscritos do alagoano.

Na conversa que tiveram com o UOL no início da tarde desta quinta, os netos de Graciliano falaram bastante sobre importância do escritor atualmente. "Ele é um clássico e, lembrando de [Ítalo] Calvino, clássicos são textos que nunca terminam de dizer o que tem a dizer, que nunca se esgotam", disse Ricardo sobre a perenidade do trabalho do avô.

"A produção dele é muito fruto da observações da natureza humana. Ele revela o íntimo do ser humano sem maniqueísmos e por isso não é visto como um autor meramente regionalista. Ele nos apresenta o 'humano, demasiado humano' do [Friedrich] Nietzsche", afirmou, por sua vez, Elizabeth. "É verdade, 'São Bernardo poderia muito bem se passar em uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul", concordou Ricardo.

Não bastasse o escritor, Graciliano ainda foi um cidadão profundamente engajado. Prefeito de Palmeira dos Índios no final dos anos 1930, preso por confrontar Getúlio Vargas em 1936, membro do Partido Comunista a partir de 1945, sua biografia, não somente sua arte, também pode ser preciosa para os nossos dias. "O que caracteriza o Graciliano político é a honestidade. Tudo o que ele fez foi seguindo suas convicções e está registrado e documentado. Então, ele olharia para nossa atual situação política igual a gente olha, com grande tristeza", acredita Ricardo. Já Elizabeth imagina que o autor continuaria levando todas essas questões para os seus textos de maneira "crítica e engajada, com ironia e acidez".

Em um ano sem nenhuma efeméride que remeta a Graciliano (que nasceu em 1892 e morreu em 1953), toda essa questão política, em especial o tempo que passou no cárcere pelo "crime de pensar livremente" – como registrou o jornalista Joel Silveira em um perfil do escritor publicado 1946 – que fez com que seu nome seja o homenageado desta edição do Flop, que tem como tema justamente a "Diversidade cultural + liberdade de expressão".

O jornalista viajou para Ouro Preto a convite da organização do Fórum.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.