Nobel de Svetlana Alexievich honra grandes escritores de não ficção
E o Prêmio Nobel de Literatura de 2015 foi para a bielorrussa Svetlana Alexievich. Praticamente desconhecida aqui no Brasil, para onde jamais foi traduzida, não sou eu a exceção que leu algum livro da jornalista de 67 anos, assumo. Entretanto, olhando para o motivo de sua premiação ("obra polifônica, um monumento do sofrimento e da coragem no nosso tempo") e pesquisando sobre suas principais trabalhos, me parece que a honraria vem para contemplar não apenas Svetlana, mas também alguns outros grandes nomes da narrativa de não ficção – ou do jornalismo literário, ou do jornalismo narrativo, ou simplesmente do jornalismo bem feito, chame como quiser – que jamais foram galardoados.
Apontado como livro mais famoso de Svetlana e talvez o principal motivo de seu Nobel, "Voices From Chernobyl" é uma grande reportagem sobre o maior acidente nuclear da história feita a partir de entrevistas com mais de 500 pessoas que sofreram com a explosão da usina de Chernobil, na Ucrânia, em 1986.
Antes disso, em seu livro de estreia, a autora já havia deixado claro o caminho que iria seguir: "The Unwomanly Face of the War" foi publicado em 1985 e narra a história real das mulheres soviéticas que foram para o campo de batalha na Segunda Guerra Mundial.
Tanto esses quanto os outros títulos de Svetlana – "The Last Witnesses" e "Boys in Zinc" tratam de temas relacionados à União Soviética e ao seu colapso, sempre trazendo um recorte pessoal e humanizado dos acontecimentos, como ela mesmo relata em seu site oficial. "Estou procurando vidas para serem observadas, para perceber os nuances, os detalhes. Meu interesse não é o evento em si, não é a guerra como tal, não é Chernobil, não é o suicídio. O que me interessa é o que acontece com o ser humano, o que acontece com ele em parte do nosso tempo. Como o homem se comporta e reage".
Trabalho que segue essa linha e que também poderia ter recebido um Nobel é "Hiroshima", do chinês – que fez sua vida nos Estados Unidos – John Hersey, bastante lembrado neste ano em que se completaram 70 anos dos ataques dos Estados Unidos contra o Japão com bombas nucleares. O jornalista foi para a cidade massacrada que dá nome à obra um ano depois do atentado e lá colheu informações para escrever grandes perfis de seis sobreviventes, que, somados, reconstroem a vida em Hiroshima após as explosões. A matéria tomou uma edição inteira da revista "The New Yorker", cujas vendas alcançaram números exorbitantes, tornou-se um exemplo de jornalismo, ganhou ares de respeitável obra literária e hoje pode ser encontrada em livro. Quarenta anos depois, Hersey ainda regressou ao Japão para ver como estavam os entrevistados, apresentando um novo desdobramento da tragédia.
Outro jornalista e escritor bastante reconhecido pelo seu talento com as letras foi o polonês Ryszard Kapuscinski, nome que figurou entre os favoritos ao Nobel durante anos seguidos até a sua morte, em 2007. Como correspondente internacional, Kapuscinski viveu na Ásia, na África e na América Latina, escrevendo, com seu olhar sensível – e por vezes inventivo, garantem alguns – sobre a situações de diversos países dessas regiões. Tal qual Svetlana e Hersey, seu interesse sempre esteve centrado principalmente na vida das pessoas comuns, em como os grandes acontecimentos as afetavam. "Ébano" é um painel primoroso sobre o continente africano no começo da segunda metade do século 20, "O Xá dos Xás", um importante relato sobre a Revolução Iraniana, e "Minhas Viagens com Heródoto", uma espécie de narrativa de viagem com reflexões filosóficas inspiradas sobretudo nos escritos do "pai da história".
Há outros grandes escritores de não ficção que talvez merecessem um Nobel. Contudo, poucos teriam tão a ver com Svetlana Alexievich e seriam tão merecedores do prêmio quanto Hersey e Kapuscinski.
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