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Em cadeias para mulheres, bebês dormem no chão e pão vira absorvente

Rodrigo Casarin

25/09/2015 11h08

 

presos que mesntruam

Muito tinha ouvido falar do livro "Presos que Menstruam", da jornalista Nana Queiroz, que ficou conhecida nacionalmente ao encabeçar o "Movimento Eu Não Mereço Ser Estuprada". Na obra, a ativista pelos direitos das mulheres revela o que encontrou nos presídios femininos de diversos estados do país (Pará, Bahia, Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul…). Como é de se esperar, o resultado é estarrecedor.

No aspecto estrutural, o que Nana nos apresenta é aquela infeliz realidade que já esperamos de qualquer presídio brasileiro: cárceres caindo aos pedaços, saneamento básico precário, superlotação de celas, tratamento desumano, comida estragada, ambientes infestados por ratos… Entretanto, no caso das mulheres presas, a situação se torna ainda mais dramática.

Os dois rolos mensais que cada detenta tem direito não bastam para quem precisa utilizá-los a cada ida no banheiro. Se o período de menstruação é longo e o absorvente acaba, resta às moças utilizarem miolo de pão para conter o sangue. Por parte da família e dos antigos companheiros, o abandono é recorrente, muito mais comum do que entre os homens. Isso para ficarmos apenas em alguns pontos.

O drama se torna ainda maior quando grávidas são presas. Pela lei, uma detenta pode cuidar de seu filho no presídio ao longo dos primeiros seis meses de vida da criança, mas se a realidade das cadeias é quase insustentável para um adulto, podemos imaginar o que isso representa para um bebê, que recorrentemente precisa até dormir no chão.

Não bastasse, o tratamento dispensado às grávidas por praticamente todos profissionais que a cercam (carcereiros, policiais, enfermeiros, médicos…) é repugnante. Encaram mãe e filho como se fossem duas aberrações que não merecem qualquer tipo de cuidado e dignidade. Em alguns casos, o recém-nascido sequer é mostrado para sua progenitora antes de ser tomado ilegalmente pelo estado.

A jornalista faz bem em dar voz à história pessoal de algumas presas com as quais conversou para conduzir a narrativa. Com isso, tenta também compreender o que levou aquelas mulheres ao crime – ninguém nasce bandido, vale lembrar – e como funcionam os relacionamentos dentro da cadeia – há até os momentos de ternura, como as presas que iniciam relacionamentos amorosos com outras detentas para ao menos atenuar a carência.

"Presos que Menstruam" é um livro quase tão impactante quanto o imprescindível "Holocausto Brasileiro", da também jornalista Daniela Arbex, sobre o manicômio de Barbacena – a resenha que fiz para ele está aqui. A leitura de ambos é importante por nos revelar uma realidade que muitas vezes fingimos não existir ou, pior, sabemos que existe, mas não ligamos.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.